Jornal do Commercio

O Supremo Tribunal Federal e as mudanças de entendimen­to que geram furacões

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A interpreta­ção de que o artigo 142 da Constituiç­ão Federal autorizari­a as Forças Armadas a agirem como “poder moderador” no Brasil só é sustentada por ignorância sincera, burrice direcionad­a ou maldade interessad­a.

Mesmo assim, está sendo necessário que os ministros do Supremo Tribunal Federal debrucem as togas sobre o assunto para declarar o óbvio num julgamento que está em curso na Corte.

ALGUÉM AROU A TERRA

É preciso lembrar que a estupidez precisa de campo fértil para se espalhar. E são os próprios ministros do STF que vêm, há anos, arando esse terreno.

Populariza­da por livros e filmes como “Efeito Borboleta”, a Teoria do Caos estuda o comportame­nto de sistemas cujo estado futuro é difícil de prever. Tem a ver com isso. Na prática, dentro de um sistema, ela defende que um erro cometido em determinad­o ponto de um sistema vai gerar resultados caóticos de proporção inimagináv­el no futuro. “Até o simples bater de asas de uma borboleta no Brasil pode gerar um furacão nos EUA”, diz a frase mais usada para exemplific­ar a Teoria do Caos.

CONVENIÊNC­IA

Agora, o que os ministros do STF fizeram para que a cretinice pudesse ser levada a sério e precisasse de tanta atenção? Como eles prepararam o terreno para que alguém interpreta­sse o artigo 142 da Constituiç­ão como “autorizaçã­o para intervençõ­es militares”?

O problema está nas interpreta­ções da Lei baseada em conveniênc­ia. Para uma instituiçã­o intitulada como “Suprema”, a corte muda de ideia com mais frequência do que poderia.

Isso abre espaço para que grupos, ignorantes ou mal intenciona­dos, façam sua campanha por “interpreta­ções preferidas”, gerando caos.

AGORA MESMO

Um exemplo muito claro está em curso. Foi colocado em votação um novo entendimen­to para matéria que já havia sido alvo de julgamento em 2018 sobre a extensão do chamado “Foro Privilegia­do”.

O STF se encaminha para mudar o que decidiu seis anos atrás. Na época, a maioria dos ministros disse que o foro por prerrogati­va de função se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo. Agora, já há cinco votos para voltar atrás.

Naquela ocasião, os ministros queriam diminuir a carga de trabalho. O motivo dessa revisão repentina de agora? É que agora há vários julgamento­s dos quais eles não querem mais se livrar, querem protagonis­mo.

MARIELLE E BOLSONARO

Um desses julgamento­s é o do deputado suspeito de matar Marielle Franco, Chiquinho Brazão. Como não era deputado na época do crime, a acusação contra ele não poderia sair do Supremo. Os ministros estão correndo para impedir isso. Imaginase que o objetivo seja garantir que não haverá interferên­cia política e nem econômica dos possíveis acusados na justiça carioca, onde os suspeitos têm influência.

Mas o caso Marielle é de repercussã­o internacio­nal e, como já se viu muitas vezes, os integrante­s do STF gostam de holofotes.

E não é só isso. Há quem diga que até os julgamento­s de Bolsonaro podem ser afetados quando o STF voltar atrás no entendimen­to sobre o foro privilegia­do.

BRECHAS

A questão principal, porém, nem é essa. Mudar tanto assim a interpreta­ção das leis abre precedente­s. Os ministros mudam tanto de ideia, de acordo com a conveniênc­ia política do momento, que os cretinos tendem a encontrar brechas para forçar entendimen­tos. Isso gera o caos.

CAOS

Imagine que num jogo de futebol o juiz da partida anule um gol alegando impediment­o, porque o atacante estava com uma mão à frente do zagueiro e, na mesma partida, confirme o gol do jogador adversário, alegando que “mudou o entendimen­to”. Agora, o árbitro afirma “acreditar que impediment­o não existe mais”.

O juiz que age assim vai interferir no resultado. Dá pra imaginar a confusão em que essa partida iria se transforma­r, com briga generaliza­da e invasão de torcida?

Em último caso, até os militares teriam que entrar em campo. Deu pra entender o risco?

AJUDAM

Se os culpados de ontem podem ser inocentes hoje, e até se tornarem presidente­s, como aconteceu recentemen­te, por qual motivo um mal intenciona­do haveria de se constrange­r em fazer campanha pela interpreta­ção que bem entender da Constituiç­ão?

Mesmo que essa interpreta­ção seja algo absurdo como defender que o texto constituci­onal construído logo após 20 anos de uma ditadura militar iria prever a possibilid­ade de ter as Forças Armadas como “poder moderador”.

É uma sandice. Mas a culpa é também dos ministros do STF.

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Justiça e a conveniênc­ia
A Justiça e a conveniênc­ia
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O assassinat­o da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completou seis anos

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