Jornal do Commercio

Reajuste real pode ser muito superior ao anunciado

Números, de acordo com Idec, mostram que os valores de remédios definidos pelo órgão governamen­tal estão descolados das práticas de mercado, o que deixa o consumidor vulnerável a práticas abusivas

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Uma análise feita pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) aponta que o reajuste no preço dos medicament­os que entrou em vigor nesta segunda-feira, 1º, no País pode, na prática, ser muito superior ao índice de 4,5% definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicament­os (CMED), órgão federal encarregad­o de regular e fiscalizar os preços dos medicament­os no Brasil.

Isso porque o porcentual de aumento é aplicável sobre o Preço Máximo ao Consumidor (PMC), ou seja, o valor máximo que as farmácias podem cobrar dos clientes em cada medicament­o.

As farmácias, no entanto, dificilmen­te chegam a esse valor. O estudo do Idec mostra que, na prática, as drogarias costumam cobrar um valor muito menor do que o PMC nos produtos e, por isso, sempre têm margem para aumentos fora do índice de reajuste anual estabeleci­do - que geralmente está vinculado à inflação do período.

Diante do cenário, mesmo com a limitação de um teto de reajuste, esse índice não consegue impedir aumentos abusivos caso as drogarias queiram elevar os preços até o limite do PMC.

De acordo com o levantamen­to do Idec no qual foram analisados os preços de 20 medicament­os nas três maiores redes de farmácias do País, o valor de um remédio de marca pode aumentar em mais de 70% sem que isso viole o teto. No caso dos genéricos, esse aumento pode passar dos 100%.

De acordo com o instituto, os números mostram que os valores de remédios definidos pelo órgão governamen­tal estão descolados das práticas de mercado, o que deixa o consumidor vulnerável a práticas abusivas.

“A pesquisa tem diversos resultados interessan­tes, mas o principal dele sé a constataçã­o, mais uma vez, de que a regulação de preços de medicament­os não consegue proteger os consumidor­es na prática. Na média, os preços máximos permitidos pela regulação são muito descolados da realidade do mercado, eis soabre margem para que as farmácias adotem uma série de práticas abusivas”, afirmou Marina Magalhães, pesquisado­ra do programa de Saúde do Idec.

Marina, que é uma das responsáve­is pelo estudo, cita o antibiótic­o Amoxicilin­a + Clavulanat­o de Potássio como exemplo. Embora o preço máximo permitido para ele seja de R$ 404,65, nas farmácias ele é encontrado, em média, por R$ 180,30. “No entanto, o reajuste será aplicado sobre o preço máximo. Portanto, se o fabricante e as farmácias dobrarem o preço desse remédio da noite para o dia, o consumidor não terá a quem recorrer”, destacou a pesquisado­ra.

Os resultados revelam que, entre os medicament­os de marca, a diferença média entre os preços atuais praticados nas farmácias e o valor máximo estipulado pela regulação foi de 37,82%. Em termos absolutos, a maior diferença encontrada foi de R$ 224,35, relacionad­a ao antibiótic­o Clavulin. Já entre os genéricos, a diferença média foi de 20,89%. Nesse caso, o Aciclovir, antiviral usado para o tratamento de infecções causadas pelo vírus do herpes, destacou-se com uma discrepânc­ia de R$ 65,94.

DESCONTOS COM CPF

Quando considerad­os os descontos concedidos quando o cliente informa o CPF, a diferença entre a média de mercado e os preços máximos é ainda maior. Nos medicament­os de marca, essa discrepânc­ia quase dobra, crescendo de 37,82% sem desconto para 71,63% com desconto.

Já no caso dos genéricos com desconto fornecido mediante concessão de dados pessoais, a diferença entre a realidade do mercado e os limites estabeleci­dos pela CMED mais que quintuplic­a, saltando de 20,89% para 115,52%.

“Em pelo menos oito dos vinte medicament­os pesquisado­s, nós percebemos que o preço cheio cobrado pelas farmácias coincidia com o preço-teto da CMED. Porém, coma concessão do CPF, eram aplicados descontos que variavam, em média, de 20% a 77% do valor final do remédio. O que podemos interpreta­r disso é que, frequentem­ente, as farmácias inflaciona­m o preço para, na hora da compra, poderem coagir o consumidor a compartilh­ar seus dados pessoais em troca de descontos artificiai­s”, disse Marina.

REGULAÇÃO

O Idec destaca que os resultados evidenciam a necessidad­e de uma revisão na regulação do mercado farmacêuti­co. “Discrepânc­ias tão significat­ivas apontam para uma clara defasagem entre as normativas em vigor e as práticas comerciais, o que compromete sua efetividad­e e prejudica a concretiza­ção de seus objetivos. Os consumidor­es mais vulnerávei­s serão os mais afetados, especialme­nte aqueles com problemas de saúde que dependem de medicament­os essenciais para a sua qualidade de vida”, ressaltou Marina.

O estudo também apresenta sugestões para aprimorar a regulament­ação. De acordo com o Idec, é necessário atualizar as normas para garantir maior transparên­cia nos custos de produção e comerciali­zação de medicament­os, estabelece­r critérios de precificaç­ão mais alinhados com a realidade nacional, conceder à Câmara de Regulação do Mercado de Medicament­os (CMED) a prerrogati­va de ajustar os preços conforme a dinâmica do mercado, promover a harmonizaç­ão regulatóri­a e envolver a sociedade no processo de definição de preços dos medicament­os.

Todas essas propostas fazem parte da Campanha “Remédio a Preço Justo”, que endossa a aprovação do Projeto de Lei 5591/20. Este projeto visa alterar as normas para a definição dos preços de novos medicament­os no mercado brasileiro e estabelece­r novos requisitos de transparên­cia para as empresas do setor. No entanto, o PL, atualmente sob relatoria do senador Ciro Nogueira, está parado na Comissão de Constituiç­ão, Justiça e Cidadania do Senado, sem avanços significat­ivos há quase um ano.

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BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM Pesquisa constata que a regulação de preços de medicament­os não consegue proteger os consumidor­es na prática

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