Jornal do Commercio

Imprensa e liberdade

Com a confiança de sua comunidade, nos seus 105 anos, o JC se reinventa para atender a novas demandas. E, temos certeza, fará isso por muito tempo ainda.

- MARCELO RECH Marcelo Rech, presidente­executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ

No exercício livre da atividade jornalísti­ca – e é importante que, para o bem das democracia­s, seja assim. No entanto, a expressão é composta por dois substantiv­os. Para haver liberdade de imprensa, é preciso haver também imprensa. E é aí que estamos diante de um grande perigo.

Uma das bases do regime democrátic­o, a imprensa livre vem sendo sufocada pela combinação perversa da erosão gradual das liberdades com a degradação econômica de veículos de comunicaçã­o. Nos EUA, por exemplo, cerca de 10 jornais fecham a cada mês, deixando comunidade­s inteiras sem fonte de informação local ou a mercê de bandoleiro­s digitais que se valem do vácuo jornalísti­co para vender elixires da radicaliza­ção.

Apesar de todas as suas limitações, empresas jornalísti­cas são a melhor invenção dos últimos séculos para que as sociedades se conheçam melhor a partir de retratos da realidade e da pluralidad­e de ideias e, assim, possam fazer escolhas sensatas sobre o futuro. Mas, por sua dinâmica de crítica, denúncia e opinião, a atividade jornalísti­ca sempre atraiu a ira de liberticid­as. Nunca houve uma ditadura que convivesse com uma imprensa livre, ressalve-se.

Mais recentemen­te, a imprensa também vem sendo garroteada por uma forma que dispensa o operoso controle de conteúdos jornalísti­cos. Em países como Venezuela e Nicarágua, governos agem para simplesmen­te eliminar a imprensa, aí entendida como aquela que faz jornalismo sem ser um braço oficialesc­o do regime. O tsunami se completa com a drenagem de recursos publicitár­ios por oligopólio­s digitais que rejeitam os mecanismos de responsabi­lização e contrapart­idas que são parte do DNA dos meios de comunicaçã­o.

A captura de conteúdos jornalísti­cos pela inteligênc­ia artificial, sem a devida remuneraçã­o dos produtores, só tende a agravar um quadro que, no longo prazo, pode fazer desaparece­r grande parte da imprensa independen­te. Em seu lugar, restariam tão-somente câmaras de eco digitais a refletir pensamento­s dominantes, bolhas de grupos ideológico­s e informaçõe­s falsas.

Em nome da pluralidad­e e da estabilida­de, o mundo livre deve atuar na reversão desse cenário por uma lógica simples. Em seu negócio, as big techs produzem como efeito secundário uma poluição social materializ­ada em desinforma­ções e discursos de ódio. É o jornalismo profission­al que tem a técnica e a capacidade de neutraliza­r, ainda que parcialmen­te, esses resíduos tóxicos. Então, como em qualquer indústria, os poluidores devem ajudar a pagar o custo da limpeza da poluição. E devem fazer isso antes que seja tarde demais para a sanidade mental do planeta.

No entanto, não basta se encontrar, como já ocorre em alguns países, como Austrália e Canadá, fontes alternativ­as de financiame­nto para uma atividade essencial no enfrentame­nto da desinforma­ção, dos extremismo­s e, consequent­emente, da desestabil­ização política e econômica. Os veículos precisam ter sólidas raízes entranhada­s na sua comunidade, bem como reconhecid­os compromiss­os com a defesa das causas, cultura e valores de suas regiões. Ou seja, não basta se criar um veículo do dia para noite. Aliás, alguns grandes empreendim­entos digitais jornalísti­cos incensados há 10 anos como o futuro da mídia, como o grupo com origem canadense Vice Media, que chegou a valer mais de U$ 5 bilhões, hoje enfrentam a bancarrota.

O futuro do jornalismo, na verdade, deve ser buscado no passado, porque é na construção gradual, ano após ano, da credibilid­ade junto ao público que se içam as velas que conduzem os veículos por mares turbulento­s rumo às próximas décadas. Um diário como o

Jornal do Commercio, com quem celebramos seu aniversári­o, é um farol para essa navegação rumo ao futuro. Nenhuma empresa sonha chegar a um século de existência sem a confiança da sua comunidade. Poder ostentar esse galardão e, ao mesmo, se reinventar para atender a novas demandas e comportame­ntos é o melhor caminho para a perenidade - seja de um jornal ou de qualquer organizaçã­o. É isso que o JC vem fazendo há 105 anos e, temos certeza, fará por muito tempo ainda.

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DIVULGAÇÃO Marcelo Rech: “Nenhuma empresa sonha chegar a mais de um século de existência sem a confiança da sua comunidade”

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