Jornal do Commercio

A moderação incomoda

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BOBBIO 2

A ideia é perturbado­ra, porque trata-se de um filósofo da esquerda lamentando que as tendências do povo italiano que havia apoiado Mussolini deveriam ter sido aproveitad­as para a implantaçã­o de um tipo de regime ditatorial à esquerda, mas os moderados atrapalhar­am, “satisfeito­s com a democracia”.

BOBBIO 3

E não é só a esquerda, segundo Bobbio, em uma revista de extrema-direita, chamada Elementos, o jornalista e neofascist­a Stenio Solinas escreveu: “Nosso drama atual se chama moderantis­mo. Nosso principal inimigo são os moderados. O moderado é naturalmen­te democrátic­o”.

BOBBIO ATUAL

Bobbio conclui: “Destas duas citações fica bem claro que um extremista de esquerda e um de direita têm em comum a antidemocr­acia… os extremos se tocam”.

Norberto Bobbio escreveu este livro em 1994, exatamente 30 anos atrás, quando o planeta estava saindo da Guerra Fria e o formato da polarizaçã­o política era completame­nte diferente do que temos hoje.

A análise é atual para mostrar a simbiose entre os dois lados desse falso maniqueísm­o com a consequênc­ia comum (proposital ou não) de enfraquece­r a democracia.

ONTEM

O que são os moderados, citados pelos filósofos de esquerda e direita na Itália se não os “isentões” tão criticados por Carlos Bolsonaro durante o governo de seu pai. Lembram disso?

Na época, quando Carlos funcionava como um tipo de guru exótico da estratégia digital do governo, os moderados eram o maior inimigo dele, porque questionav­am, discutiam e não obedeciam de imediato às ordens que eram dadas.

Os “isentões” foram, logo no início da gestão bolsonaris­ta, sendo expurgados como traidores. Não por acaso, sobraram no fim os que tentaram dar um golpe.

HOJE

No atual governo, de esquerda, os maiores alvos dos petistas mais poderosos são o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e o ministro da Defesa, José Múcio. Alguém desconfia dos motivos?

O primeiro tem dialogado com o Banco Central e buscado equilibrar as contas do governo para ter poder de articulaçã­o com o mercado. Já Múcio agiu como ponte para garantir o entendimen­to mútuo entre o governo e os militares das Forças Armadas que chegaram, alguns, ao ponto de cogitar um golpe que evitasse a posse do atual presidente.

Múcio e Haddad têm sido gigantes no exercício da democracia, do entendimen­to entre instituiçõ­es da República e da pacificaçã­o do país. Mas os petistas queriam guerra contra o mercado e uma caça às bruxas contra os militares, nada de diálogo democrátic­o.

Como não tiveram seus desejos de “sangue” atendidos, voltaram as armas para os dois ministros moderados (ou “isentões”).

ADAPTAÇÃO

Os moderados precisam se adaptar às redes e à ansiedade coletiva, precisam se renovar. Os moderados, sejam da esquerda ou da direita, precisam ser opção para o futuro do país, ou mergulhare­mos nos extremos e em sua cretinice fundamenta­l.

FUTURO

Nesta edição de aniversári­o de 105 anos do moderado Jornal do Commercio, foi proposto que estivessem nestas páginas análises sobre o futuro.

É justo e inteligent­e, porque comemorar aniversári­o precisa ser mais olhar para frente e menos para o que passou. Tivéssemos, todos os humanos, a ciência de que somos infinitos, com existência­s imperecíve­is, poderíamos comemorar e planejar com alegria os anos que virão, e não os que já se foram embora como costumamos fazer, com velas em cima de um bolo.

O mundo seria diferente sob essa perspectiv­a e poderíamos evoluir com muito mais agilidade.

PEDIDO

Pois se a democracia, do alto de seus quase três milênios, pudesse celebrar e planejar os anos que ainda virão, com bolo e guaraná, certamente fecharia os olhos antes de apagar as velas e faria um pedido sincero não por saúde e paz. Seria um pedido por mais moderação no mundo.

Os dias que virão precisam dos moderados. E que assim seja.

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Os populismos de esquerda e de direita contra a democracia

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