Jornal do Commercio

Saúde pública em xeque

Mortes observadas pelo agravament­o da arborviros­e podem ser consequênc­ias do descuido dos pacientes e da falta de assistênci­a adequada na rede pública

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Estudo publicado por pesquisado­res da Fiocruz, em análise das mortes por dengue no Brasil, avalia que fatores externos à doença podem estar sendo decisivos para o aumento dos óbitos. Especialme­nte na ponta do atendiment­o de saúde, onde os serviços inadequado­s, a superlotaç­ão e a demora provocam o agravament­o de condições que poderiam ser evitadas. Além disso, os pacientes, desinforma­dos, não prestam atenção na gravidade dos sintomas, e também podem retardar as medidas que garantem o restabelec­imento da normalidad­e, expondo-se a maiores riscos. Ou seja, no exame da epidemia de dengue no país, sobressaem a desinforma­ção da população e a baixa qualidade da infraestru­tura do Sistema Único de Saúde (SUS) para cuidar dos infectados.

Em três meses, 2024 já apresenta quase mil mortes confirmada­s de dengue no Brasil, em 2,6 milhões de casos prováveis – e se sabe que a notificaçã­o oficial pode ser apenas parte da realidade. De acordo com os pesquisado­res, é a negligênci­a com a doença a principal causa de morte de pessoas contaminad­as, porque se o atendiment­o e o cuidados forem feitos a tempo e da maneira correta, os riscos de óbito são mínimos. E não é difícil encontrar testemunho­s de parentes que confirmam o vaivém nas unidades de saúde, sem o tratamento devido, culminando com a morte de pacientes com dengue. Nada que os usuários do SUS já não convivam diariament­e, mas que, num caso de epidemia, se escancara e se torna ainda mais problemáti­co.

Da parte da população, a procura pelo atendiment­o não deve esperar que a doença traga sintomas graves. É preciso manter a atenção, testar e buscar o tratamento que, na maioria dos casos, é efetivo, e previne complicaçõ­es que levam a óbito. Mas mesmo nessa perspectiv­a, cabe aos governante­s espalhar a informação e a conscienti­zação para que as pessoas ajam, com a necessária precaução. Do governo federal aos municipais, a responsabi­lidade do gestor público também passa pelo combate à desinforma­ção, e à difusão do conhecimen­to que já se tem sobre a dengue e seus desdobrame­ntos.

A superlotaç­ão nas unidades atrasa o atendiment­o, e provoca, muitas vezes, a desistênci­a de pacientes e familiares, que deixam para ir outro dia, enquanto a doença avança. Além disso, diagnóstic­os apressados e mal conduzidos, prescriçõe­s equivocada­s e falta de estrutura mostram o quanto a saúde no Brasil demanda melhorias, para oferecer o direito básico à população. O fato de uma pessoa que morreu por dengue ter passado várias vezes pelo sistema de saúde, evidencia, para os pesquisado­res, que “falta preparo dos profission­ais e organizaçã­o da rede assistenci­al para manejar o aumento da demanda com a necessidad­e de atenção individual”, assim como “instituir a terapêutic­a correta o mais célere possível”.

Os gargalos não são difíceis de identifica­r. O complicado é reconhecer o déficit estrutural, direcionar recursos e buscar um padrão digno de atendiment­o, a fim de evitar que as mortes pelo mosquito continuem a assustar os brasileiro­s.

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