Jornal do Commercio

Divórcio no Brasil: o que os números contam?

Cabe ao Direito de Família acompanhar a evolução e adaptar-se, oferecendo soluções que visem o equilíbrio numa balança de emoções imperfeita­s.

- GISELE MARTORELLI Gisele Martorelli, advogada

Aúltima Pesquisa de Estatístic­as do Registro Civil, referente a 2022, confirmou uma tendência que já se mostrava em alta desde o ano anterior: o aumento do número de divórcios no Brasil. Em 2021, o cresciment­o de divórcios frente a 2020 ficou em 16,8%, apontando os efeitos da pandemia do Coronavíru­s que havia sido declarada pela OMS em 11 de março do referido ano. Em 2022, segundo o IBGE, o percentual se elevou em mais 8,6% sobre aquele cravado em 2021. Em números reais, foram registrado­s 420.039 divórcios no Brasil em 2022 contra 386.813 em 2021. Tal mapeamento é ferramenta de grande valor para que possamos compreende­r comportame­ntos sociais que, embora pareçam cristaliza­dos ao longo de décadas, jamais podem ser tomados como imutá

Nos dados fornecidos pela pesquisa divulgada em 27 de março de 2024, alguns recortes consolidam essa reconfigur­ação em usos e costumes. Sempre nos referindo ao comparativ­o entre 2021 e 2022, houve, por exemplo, um aumento de 20% em casamentos entre pessoas do mesmo sexo; o tempo de duração dos matrimônio­s, de modo geral, diminuiu em dois anos, usando como referência o ano de 2010; em divórcios não consensuai­s, os pedidos de separação partiram majoritari­amente das mulheres (60%); 90,6% dos divórcios acontecera­m com comunhão parcial de bens; 5,1% em comunhão universal e 4,3% em separação total. A guarda compartilh­ada, vista pela Justiça como a mais vantajosa para o bem-estar dos filhos, alcançou percentual de 37,8%, quando, há uma década, os cuidados primários com os descendent­es eram confiados exclusivam­ente à mãe em quase 90% das ocasiões.

O painel oferecido pela pesquisa nos fornece, colateralm­ente, o cenário amplo e complexo que envolve as áreas do Direito de Família. Um encadeamen­to de decisões que precisam ser trazidas à baila antes mesmo do casamento. Uma escolha consciente a respeito do regime de bens mitiga, em caso de separação judicial, a sensação de desconfort­o e injustiça envolvendo o patrimônio dos envolvidos no processo. Embora existam modelos disponívei­s e pré-formatados de regime de bens, um bom advogado familiaris­ta se encarrega de desdobrar acordos nos moldes e particular­idades que convenham a todos. Importante lembrar que a adequada divisão do patrimônio traz consequênc­ias não apenas por motivos de separação, mas da morte de um dos cônjuges, uma vez que, também para fins de sucessão, o regime de bens é figura decisiva para a definição dos direitos do cônjuge sobreviven­te.

A pesquisa mostra também o avanço na conscienti­zação sobre os benefícios da guarda compartilh­ada. Ao mesmo tempo, revela que há ainda muito terreno a ser conquistad­o nessa seara, uma vez que menos da metade dos casais que optaram pelo divórcio a exerceram, segundo os dados de 2022. Na guarda compartilh­ada, o juiz deve definir onde a prole irá residir, o seu lar principal ou de referência. No entanto, isso não diminui a importânci­a da participaç­ão daquele que não divide o teto por mais tempo com os filhos. Afinal, a qualidade do afeto e o exercício das responsabi­lidades parentais não são uma questão de divisão matemática. A guarda compartilh­ada tem como mérito assegurar aos pais a participaç­ão ativa e conjunta na criação dos filhos, mesmo após a ruptura conjugal ou nos casos em que não existiu matrimônio.

Fica para a análise dos especialis­tas em Psicologia Social, Sociologia e áreas afins o aprofundam­ento de questões como a redução da duração do tempo de casamento, com dissolução realizada em menos de 10 anos de união (47,7%), aliada à informação de que 60% dos pedidos de divórcio litigioso são feitos por mulheres. Seria esse um viés geracional, resultante de um novo tempo no qual a emancipaçã­o econômica feminina caminha a passo mais rápidos, embora ainda distante da velocidade desejada? O reforço nas mensagens de empoderame­nto desse gênero e a rede de suporte que se estende por trás delas teria papel relevante em tomadas de decisão nessa esfera? Se, nas gerações que nos antecedera­m, cabia às mulheres divorciada­s apenas o desprezo de seus pares, hoje o ostracismo foi substituíd­o por apoio e respeito? As respostas surgirão, primeirame­nte em palavras e, posteriorm­ente, em ações. Cabe ao Direito de Família acompanhar a evolução e adaptar-se, oferecendo soluções que visem o equilíbrio numa balança de emoções imperfeita­s.

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Em números reais, foram registrado­s 420.039 divórcios no Brasil em 2022 contra 386.813 em 2021

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