Jornal do Commercio

Uma velhice agradável e as agruras do amor

É claro que García Márquez referese à solidão do Poder, principal tema de sua obra, mas devemos considerar que a solidão é sentimento tão forte que será sempre levada em conta também em seu sentido amplo

- ARTHUR CARVALHO Arthur Carvalho – Academia Pernambuca­na de Letras - APL

Segundo Gabriel García Márquez, “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.” A frase, escrita no romance Cem anos de solidão, demonstra, segundo Maurício Melo Júnior, em texto por ele publicado no número 3, de março do corrente ano, com ilustração de João Lin, da Revista Pernambuco, dirigida pelo jornalista e ensaísta Mário Hélio, a importânci­a do tema para o escritor colombiano.

É claro que García Márquez refere-se à solidão do Poder, principal tema de sua obra, mas devemos considerar que a solidão é sentimento tão forte que será sempre levada em conta também em seu sentido amplo, profundo e devastador.

Perguntado, certa vez, qual o remédio pra curar dor de amor, Rubem Braga, homem que amou algumas das damas mais deslumbran­tes do Rio e do Brasil, receitou em tom de pessimista ironia – “andar de bicicleta.” Aparenteme­nte, pode ser simples brincadeir­a, mas, na verdade, a frase encerra imensa amargura, a amargura de quem vai guardar aquela dor no coração, no fundo do peito, pro resto da existência, por ser uma dor insuportáv­el e sem cura. “A grande dor das coisas que passaram,” de Camões. Tanto que ele, o Sabiá da crônica, que amava perdidamen­te a bela Tônia Carrero, ameaçou se suicidar, pulando no alto mar, quando ela quis se separar dele, a bordo do transatlân­tico italiano Augustus, em viagem de Roma para o Brasil. No desespero, ele confessou que não suportaria a solidão de sua falta.

Quando a solidão bate à minha porta, não monto em moto ou bicicleta. Saio caminhando, vagaroso, triste e sozinho, ao cair da tarde, pelas avenidas asfaltadas e desertas de meu bairro, que nessa hora me faz companhia, ouvindo as estrelas, de preferênci­a em noite de lua cheia. E lembro do samba Louco, de Vicentino Mia Duque, gravado por João Nogueira: “Louco, pelas ruas ele andava, o coitado chorava, transformo­u-se até num vagabundo. Louco, para ele a vida não valia nada, para ele a mulher amada era seu mundo.”

E é verdade. A solidão apertava, nas madrugadas frias, Manuel Bandeira telefonava pros amigos íntimos: “Ovalle, você tem uma dorzinha de cotovelo pra me vender?” Ninguém entende mais de solidão do que as experiente­s donas de “rendez-vous”. Conheci uma delas na Ladeira da Montanha, na Bahia, e passávamos as noites conversand­o, ela me contando o sofrimento e a solidão de suas “meninas”, que vinham do interior para se prostituir na Capital.

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LISA FOTIOS/PEXELS Quando a solidão bate à minha porta, não monto em moto ou bicicleta. Saio caminhando, vagaroso

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