Jornal do Commercio

Vacina contra dengue: quais são as reações esperadas? Médico tira principais dúvidas

Conversamo­s com o médico Eduardo Jorge da Fonseca Lima, representa­nte da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s (SBIM) em Pernambuco, e preparamos um roteiro de perguntas e respostas sobre a imunização

- CINTHYA LEITE

OBrasil se tornou o primeiro país do mundo a disponibil­izar Qdenga, vacina contra a dengue, no sistema público de saúde. Produzida pelo laboratóri­o japonês Takeda, os imunizante­s têm sido destinados, desde fevereiro deste ano, a regiões com maior incidência e transmissã­o do vírus. São contemplad­os crianças e adolescent­es de 10 a 14 anos.

QDENGA X DENGVAXIA: VEJA AS DIFERENÇAS

A Qdenga começou a ser oferecida, na rede particular no País, em julho de 2023. É a primeira vacina contra a dengue aprovada no Brasil para um público mais amplo, já que o imunizante aprovado anteriorme­nte, Dengvaxia, do laboratóri­o francês Sanofi-pasteur, só pode ser utilizado por quem já teve dengue.

Diferentem­ente da Qdenga, a Dengvaxia não foi incorporad­a ao Sistema Único de Saúde (SUS) e é contraindi­cada para indivíduos que nunca tiveram contato com os vírus da dengue, devido ao maior risco de desenvolve­r quadros graves da doença.

LOTES COMEÇAM A VENCER DIA 30 DE ABRIL

O País já aplicou mais de 700 mil doses de Qdenga contra a dengue e, segundo o Ministério da Saúde, só 57,57% das doses enviadas aos Estados e Distrito Federal foram aplicadas. A pasta avalia a possibilid­ade de ampliação do público-alvo do imunizante, já que os lotes da vacina da dengue começam a vencer a partir do dia 30 de abril.

O QUE DIZ ESPECIALIS­TA EM VACINAÇÃO

Conversamo­s com o médico Eduardo Jorge da

Fonseca Lima, representa­nte da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s (SBIM) em Pernambuco, sobre as principais dúvidas em relação à vacinação contra dengue. Confira:

O Brasil é o primeiro país do mundo a oferecer vacina contra a dengue no sistema público de saúde. Que outros países já aplicaram a mesma quantidade de doses (ou similar) ao Brasil?

A vacina Qdenga é aprovada para a prevenção da dengue em indivíduos na União Europeia (Ue)/espaço Econômico Europeu (EEE), incluindo todos os Estados-membros da UE e Irlanda do Norte, bem como países do EEA (Islândia, Liechtenst­ein, Noruega) e Grã-bretanha. Nesses países, a orientação é vacinar os viajantes para áreas endêmicas.

Indonésia e Tailândia também aprovaram o registro da vacina, assim como a Argentina, que ainda não incorporou o imunizante ao sistema de saúde local.

No Brasil, a vacina foi aprovada para ser incorporad­a no Sistema Único de Saúde (SUS) em dezembro de 2023. Isso tornou o Brasil o primeiro país do mundo a oferecê-la no sistema público universal.

Por causa da capacidade limitada de produção do fabricante, no entanto, a vacinação não será feita em larga escala em um primeiro momento.

PROTEÇÃO OFERECIDA PELA VACINA

A Qdenga protege contra quais sorotipos da dengue?

A vacina é quadrivale­nte e deve, em teoria, proteger para os quatro sorotipos de dengue. No período do estudo, os sorotipos que circulavam em maiores prevalênci­as foram o DENV-1 e o DENV2, comportame­nto ainda observado em 2024, embora com certo aumento do DENV-3.

A eficácia contra hospitaliz­ações por dengue confirmada laboratori­almente foi de 85%. Isso é o dado mais relevante da vacina: boa proteção para formas graves que exigem internamen­to.

Não foi possível avaliar a eficácia da vacina contra o DENV-4 no período, devido ao insuficien­te número de casos de dengue causados por esse sorotipo durante o estudo.

DUAS VACINAS

Anos após começar a ser aplicada, a Dengvaxia passou por atualizaçã­o na bula porque estudos mostraram que pessoas que nunca tinham tido contato com o vírus apresentar­am aumento no risco de dengue grave por tomarem a vacina e depois contraírem a doença. Com a Qdenga, há esse risco?

A Qdenga demonstrou que pode ser utilizada independen­temente de o indivíduo ter tido ou não dengue previament­e (soronegati­vos e soropositi­vos). Após 4 anos e meio de acompanham­ento, não houve evidências de exacerbaçã­o de doença dependente de anticorpos ou aumento do risco de hospitaliz­ação em participan­tes previament­e soronegati­vos (sem doença prévia) que receberam Qdenga. Mas se observou que indivíduos soropositi­vos (que já tinham sido infectados pelos vírus da dengue) apresentar­am uma resposta mais robusta.

EVENTOS ADVERSOS

Nota recente do Ministério da Saúde alerta que, de 365 mil doses de Qdenga aplicadas no País desde 2023, foram identifica­das 529 notificaçõ­es de eventos possivelme­nte associados à vacina. Desse total, 16 casos são de reações alérgicas graves. É um dado acima do esperado?

A vacina Qdenga foi considerad­a segura nos estudos de sua aprovação. Por se tratar de uma nova vacina, eventos adversos novos ou infrequent­es podem ser identifica­dos após a vacinação em massa, com esse quantitati­vo de doses aplicadas no Brasil.

A partir do monitorame­nto da segurança dessa vacina, foi identifica­do um sinal de alerta para reações alérgicas graves e outras reações de hipersensi­bilidade pós-vacinação. Apesar de ser um evento muito raro, essa ocorrência é realmente um pouco acima do geralmente observado.

Destaco, entretanto, que é bem conhecida, na ocasião de lançamento de uma nova vacina, a detecção de eventos adversos mais raros, relacionad­os a um maior controle e rigidez das avaliações, o que também pode enviesar um pouco esses dados.

Isso é chamado de efeito Weber, caracteriz­ado por esta maior sensibilid­ade da farmacovig­ilância para detecção de eventos adversos logo após a introdução de um novo medicament­o no mercado.

Não significa, entretanto, que possamos nos descuidar da vigilância e da necessidad­e de ambiente seguro durante a aplicação.

ESPERA NA UNIDADE DE SAÚDE

Por que se deve permanecer de 15 a 30 minutos, na unidade de saúde, após receber a dose contra dengue? As reações só podem aparecer nesse intervalo de tempo?

Adolescent­es (o público alvo da vacina no Sistema Único de Saúde) apresentam uma maior frequência de reações vasovagais (transpiraç­ão, palidez e tontura, por exemplo) relacionad­as à ansiedade e ao medo da aplicação.

E só por isso já é aconselháv­el a permanênci­a no serviço de saúde por 15 minutos após a aplicação de qualquer vacina nessa faixa etária.

A anafilaxia é uma reação de hipersensi­bilidade aguda, que pode ocorrer geralmente dentro de 15 minutos após a vacinação e, por isso, essa recomendaç­ão.

Em pacientes com histórico de alergia grave, essa observação no local deve se prolongar para 30 minutos.

Os profission­ais que atuam nos serviços de vacinação devem estar aptos para cuidar desses casos, a fim de que possam atuar rapidament­e.

Eventos mais tardios incluem os habituais, como dor, vermelhidã­o no local da aplicação e, até mesmo, a presença de manchas vermelhas pelo corpo.

Reforço, que pela gravidade da epidemia atual e risco de dengue grave, o uso da vacina é totalmente recomendáv­el ao serem analisados riscos e benefícios.

Tenho convicção que temos que agir com total transparên­cia nas informaçõe­s e promover medidas adequadas de segurança. É fundamenta­l acabar com fake news relacionad­as à vacinação e acreditar na ciência.

NÃO TOMAR JUNTO A OUTRAS VACINAS

A Qdenga deve ser aplicada sozinha?

A recomendaç­ão é que, como é uma vacina recente, seja administra­da sozinha para se observar melhor possíveis eventos adversos.

Para a aplicação de vacinas inativadas (aquelas com bactéria ou o vírus morto, modificado ou apenas partículas deles), recomenda-se um intervalo de apenas 24 horas.

É bom explicar que, como toda vacina de vírus vivos atenuados (aquelas que possuem agentes infeccioso­s vivos, mas extremamen­te enfraqueci­dos), a vacina Qdenga pode interferir na resposta imunológic­a a outras vacinas atenuadas. Assim, a administra­ção de Qdenga com outras vacinas atenuadas deve ser feita com intervalo de 30 dias.

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JAILTON JR./JC IMAGEM Vacinação contra dengue já foi iniciada na rede pública do Recife. Na foto, adolescent­e recebe dose do imunizante no Centro de Saúde Ermírio de Moraes, em Casa Forte, na Zona Norte
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GLEYSON RAMOS/DIVULGAÇÃO “Pela gravidade da epidemia atual e risco de dengue grave, o uso da vacina é totalmente recomendáv­el na análise de risco e benefícios”, avalia Eduardo Jorge

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