Fernanda Montenegro
A atriz conta como foi sua participação na série Nelson - Por ele mesmo, do Fantástico
Por que é importante manter o escritor Nelson Rodrigues ainda fresco na essência da dramaturgia?
“O Nelson, quando vivo, do ponto de vista da dramaturgia, era totalmente desacreditado. Depois que ele morreu, começou a ter um acerto de contas com esse extraordinário criador brasileiro, que é tido como jornalista e cronista esportivo importante, além de um memorialista, apesar de ninguém chamá-lo assim. As crônicas da vida do Nelson são o Brasil, somos nós, seres humanos, ali.”
Como foi dirigir o Otávio Müller nesse projeto?
“O que houve, na verdade, foram conversas com o Otávio em torno do Nelson, e tanto sozinhos quanto com a equipe, colocamos na mesa o que pensávamos. Chamo essa série de ‘crônica reportagem’ porque em torno da crônica existe o jornalista Nelson Rodrigues no complexo do grupo que organizou tudo. Houve essa ideia de fazer de uma crônica altamente literária e altamente existencial, social ou até política, uma introdução dessa humanidade, dessa transcendência. Às vezes eu falo para o Otávio: ‘faz isso de novo’, mas não por estar errado, e sim por ter várias possibilidades. Às vezes engasgou aqui, tropeçou ali, e fazemos isso mais como conversa do que como direção. Parece que a gente faz a nossa profissão como quem diz: ‘vamos à praia’, mas é um trabalho louco.”
Por que reportagem?
“O nome ‘reportagem’ só veio porque me surpreendi numa conversa com o Otávio, que foi filmada, e fomos buscar na Sônia Rodrigues, filha dele, coisas sobre o Nelson, ainda mais no capítulo sobre o futebol brasileiro, então, acho que no fundo é uma grande reportagem sobre um homem extraordinário. Estou muito feliz de finalmente encontrar o Otávio e outros companheiros para trabalhar em torno de Nelson Rodrigues, um homem que, depois de morto, o Brasil aceitou que é um gênio e que a minha geração sempre soube que ele era.”
Como foi a preparação?
“O ensaio é uma troca de propostas, de diálogos. Estamos totalmente sacramentados no processo teatral, então nosso trabalho nunca é de ensinar, e sim de trocar possibilidades cênicas. Não tem um ensinando para o outro. Não se pode sacramentar de cima pra baixo, porque a gente sabe que não dá certo. É muito mais um encontro cênico, se tivéssemos feito um espetáculo. Aqui existe um trabalho industrializado, não é artesanal como é feito no teatro, mas não há interferências na leitura, e sim momentos de convívio na leitura. É como quando você está contando um caso, o outro lembra de alguma coisa, conta, e você continua contando o caso. Isso é legal e algo que eu ainda não tinha visto.”
Você tem esperança em relação à cultura brasileira?
“Tudo é cultura. Você não ter saneamento básico, não ter boas escolas, bons hospitais é um tipo de cultura. O que a gente come, lê, vê na TV é cultura. A cultura é o próprio país. Todo país que tem respeito à sua cultura nos diversos espaços é o país. Enquanto o Brasil não entender isso culturalmente, vivido e atento, não teremos no governo. Esses homens que estão no governo foram postos lá pelos nossos votos, e eles colonizaram o Brasil. É um governo que não nos pertence, e eles nem querem mesmo que pertença, afinal, quanto mais distante do povo melhor. Há um país em Brasília colonizando o Brasil mais que os portugueses, porque pelo menos os portugueses tinham que atravessar o Atlântico.”