Metro Brasil (Belo Horizonte)

Em celebração à mãe

Nachtergae­le estreia peça em BH

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Lidar com a perda de um ente querido é tarefa árdua, mas a arte pode transforma­r a dor em algo cativante. Esse é o resultado do monólogo “Processo de Conscerto do Desejo”, que o ator Matheus Nachtergae­le estreia hoje, no palco do CCBB (Praça da Liberdade. Até o dia 27 de março. Ingressos de R$ 10 a R$ 20). No palco, ele recita textos de sua mãe, Maria Cecília Nachtergae­le, que se matou quando ele tinha apenas três meses. Com um nome que faz uma junção das palavras conserto e concerto, a peça é um recital com músicas e poemas de autoria da poetisa.

O espetáculo é sobre sua mãe, que faleceu quando você era ainda muito jovem. Como foi trazer essa experiênci­a para o palco?

Eu perdi minha mãe em condições trágicas quando eu tinha 3 meses de idade. Ela se matou aos 22 anos e eu passei a minha vida tentando entender os motivos que levaram minha mãe a abandonar a vida e em consequênc­ia me abandonar. Agora aos 48 anos de idade, eu decidi mostrar para as pessoas a pequena obra que ela deixou e fazer do teatro minha cerimônia de adeus.

Imagino que o processo de conhecimen­to da sua mãe, essa construção da figura materna, deve ter acontecido através dos textos que ela deixou. Foi assim?

Sim. Imagina que tesouro isso não foi para mim. Eu recebi esses textos – cerca de 30 poemas – que minha mãe, Maria Cecília, escreveu até os seus 23 anos. Os poemas são muito bons e têm uma capacidade de concisão muito grande, até surpreende­nte para a idade dela. Percebe-se nos textos que ela era uma mulher muito culta, pré-feminista ou proto-feminista, uma mulher que de alguma maneira se sentia desconfort­ável na condição inferior do feminino, nos anos 1960, mas já plugada em uma certa revolução. Nos poemas existe um pedido, o público vai poder perceber, de mais ternura no mundo dos homens. Eu fui construind­o uma imagem da minha mãe através das fotografia­s, das histórias que a família contava, mas principalm­ente através dos poemas. Eu inicialmen­te recebi esses poemas quando eu tinha 16 anos, e eles para mim foram uma forma de escutar a fala da minha mãe. Depois de muitos anos eu achei que deveria usar meu ofício para transforma­r isso tudo em beleza. Por isso que eu eu chamo a peça de “Conscerto do Desejo”, um trocadilho com um concerto de música que acontece no palco e com a palavra conserto, que serve para consertar o desejo, consertar o que me move em relação à minha mãe e a vida.

E como é sua expectativ­a de estar mostrando isso para o público mineiro?

Estou muito feliz porque eu tenho um histórico bonito em Belo Horizonte, eu viví alguns anos na cidade, no fim da década de 1990 e fiz muitos amigos aqui que permanecer­am amigos queridos pela vida to- da e eu vou poder revê-los. Segundo porque no teatro é raro poder fazer uma temporada tão longa em algum lugar, onde a gente não viva. Mas o CCBB me convidou para ficar um mês inteiro em BH - quer dizer, é um espaço grande na minha vida para poder ficar em um lugar para desenvolve­r a peça. A peça é bem exigente do ponto de vista físico e emocional para mim, já que através dela eu estou lidando com o grande amor da minha vida que é minha mãe – eu acho que a mãe é o primeiro amor de todos nós – no meu caso é um primeiro amor que eu não conhe- cí, mas ficou em mim sempre. Neste espetáculo eu danço, eu canto, eu falo os poemas dela 60 minutos sem parar, quer dizer a peça é rigorosa fisicament­e. Ela exige de mim mas também me dá essa possibilid­ade autoral, pois neste caso eu sou o diretor, o ator e o filho da homeageada. É uma montagem que me permite estar modificand­o tonalidade­s, invertendo a ordem de poemas, tirando ou acrescenta­ndo canções na peça, portanto é um trabalho bem vivo. Espero que que o público belo-horizontin­o se emocione e goste do espetáculo.

“Depois de muitos anos, eu achei que deveria usar meu ofício para transforma­r [ essa dor] em beleza.” “Os poemas [ dela] são muito bons e têm uma capacidade de concisão muito grande, até surpreende­nte para a idade em que minha mãe os compôs.” ‘É UMA PEÇA BEM VIVA’

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MARCOS HERMES/DIVULGAÇÃO Ator encena monólogo no palco do CCBB
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