FILME ‘JOAQUIM’
Em ‘Joaquim’, Marcelo Gomes se embrenha pelo Brasil colonial para entender vias que acenderam chama revolucionária de Tiradentes; ator garimpou o cerrado mineiro para interpretar o protagonista
TIRADENTES GANHA DESTAQUE NA TELONA
A temática política está em peso no cinema brasileiro em 2017, com filmes sobre o Plano Real e a Operação Lava Jato. O pernambucano Marcelo Gomes, por sua vez, resolveu mergulhar no século 18 e trazer à luz o personagem histórico a quem o país dedica o feriado de amanhã, mas sobre o qual pouco realmente se sabe.
“Joaquim”, que chega hoje às telas após ter disputado o Festival de Cinema de Berlim, é daqueles filmes que seguem a máxima de que não dá para entender o presente sem compreender o passado.
“Meu interesse era refletir sobre a mudança de paradigma de Tiradentes ( 17461792) em um Brasil colonial desumano, desonesto, com escravidão. Li vários livros e ninguém tinha resposta para isso. Busquei então obras sobre o cotidiano do país e ali comecei a ver as fraturas sociais presentes até hoje. O passado tem muito a nos ensinar. Precisamos parar de discutir política com tanta leviandade”, diz ele, que levou sete anos para fazer o longa.
Ao evidenciar o nome civil do personagem, o título já denuncia que esta não é a história de um mártir no sentido tradicional. O que interessa ao diretor é o lado humano dele – e, justamente por isso, o espectador encontra ali um possível espelho para si.
“Quero mostrar que qualquer brasileiro pode construir um ato heroico e que não é só a elite política que vai decidir o futuro”, afirma Gomes.
Com isso, Joaquim da Silva Xavier é apresentado como provavelmente foi: um soldado pobre, de roupas puídas, que coletava impostos para Portugal e extraía dentes alheios. Seu sonho? Encontrar ouro e mudar de vida. Pouco a pouco, ele se dá conta de que nada disso pode acontecer enquanto o Brasil permanecer uma colônia.
“Foi fundamental adentrar no cerrado e garimpar. Isso já nos colocava em um estado físico de muita potência”, afirma Julio Machado, responsável por encarnar Tiradentes.
Uma personagem é essencial para a transformação do pensamento dele: a escrava Preta (Isabel Zuaa), com quem ele se relaciona. Mas como apresentar uma negra em um passado histórico cruel, mas com olhos contemporâneos?
O tratamento dado a ela é dos mais especiais, pois, para o diretor, o espírito rebelde do negro escravizado é uma das principais heranças culturais do brasileiro.
“Ela tem noção de onde circula, da ingenuidade e da força do Joaquim, para quem olha com humanidade. Ela é uma mulher que se expõe igual ao homem, que glorifica seus ancestrais e tira as amarras invisíveis que a sociedade tenta colocar nela”, afirma a portuguesa Isabel.