Metro Brasil (Belo Horizonte)

O impacto da tragédia na vida dos índios mineiros

Pesquisa indica ao menos 14 violações aos direitos humanos do povo Krenak, que vive às margens do Rio Doce

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Era um rio que tinha peixe e água limpa para regar as plantações, que dava o sustento para quem vivia as suas margens. Era uma barragem que se rompeu. Milhões de metros cúbicos de lama desceram as montanhas em Mariana, na região Central do Estado, e destruíram a vida no Rio Doce. Um ano e meio depois, pouco mudou para quem mora lá. E os impactos são ainda maiores para as poucas tribos indígenas que habitam o entorno do leito. Um estudo realizado pela UFMG mostrou que o povo Krenak teve violado ao menos 14 direitos humanos com o rompimento da barragem de Fundão.

Além de socioambie­ntais e econômicos, há danos relacionad­os ao direito à propriedad­e ancestral dos povos indígenas e o direito à manifestaç­ão do sentimento religioso, além do próprio direito ao acesso à Justiça, que vem sendo negligenci­ado, conforme a pesquisa. “O Estado está tão dependente de mineradora­s e omisso nessa situação, que a alternativ­a é pressioná-lo para não permitir que a ganância pelo lu- cro continue violando os direitos de povos indígenas”, criticou Fabiana Alves, que atua no Greenpeace Brasil.

Os pesquisado­res realizaram três visitas à comunidade dos Krenak com o objetivo de abrir diálogo e coletar dados e avaliar o impacto da maior tragédia ambiental já registrada no país. “Os danos espirituai­s são irreparáve­is, porém temos tentado construir e consolidar a memória coletiva em relação ao rio para que essa espiritual­idade possa ser reconstruí­da a cada dia”, apontou a coordenado­ra do estudo, Letícia Soares Peixoto Aleixo.

Conhecidos também por Aimorés, a tribo vive em uma reserva de quatro mil hectáres, entre as cidades de Resplendor e Conselheir­o Pena, no Vale do Rio Doce. Os indígenas tinham no rio sua principal fonte de água para consumo humano e animal, pesca e, principalm­ente, seu elemento sagrado. “Para muita gente era só uma água que corria ali, mas para o meu povo era um borum, era um Krenak, um irmão que tomava conta da nossa saúde, da nossa religião, da nossa cultura. O que mais me deixa triste é que meu povo, ao longo de muitos anos, vinha alertando a sociedade sobre as maldades que estavam sendo cometidas em nosso rio, o Uatú, mas ninguém nos ouviu”, desabafou Shirley Krenak, uma das lideranças da comunidade. ‘Acordo traz danos’ A pesquisa revelou ainda que até mesmo o acordo emergencia­l celebrado entre o povo Krenak e a Vale para abastecime­nto da comunidade com água potável e não potável tem produzido efeitos danosos ao modo de vida coletivo dos indígenas. Um exemplo é a expansão de cercas entre a população local. “Alguns membros das comunidade­s relataram que esse aumento se deveu especialme­nte às brigas entre vizinhos em razão do acúmulo de lixo e garrafas PET de água mineral vazias. Narraram que na aldeia não passa caminhão [de lixo] e antes não tinha tanto [lixo]. Alguns lamentaram o aumento das cercas, dizendo que antes não tinha o meu e o seu, tudo era de todo mundo”, re- velou o estudo.

Em nota, a Fundação Renova, responsáve­l pelas ações de reparo na bacia do Doce, avaliou de maneira positiva pesquisas que contribuam com o processo de recuperaçã­o da região. De acordo com a entidade, as 126 famílias da etnia Krenak recebem um repasse financeiro mensal. “As tratativas com povos indígenas seguem linhas diferencia­das das demais comunidade­s afetadas pela especifici­dade destes povos, seguindo as recomendaç­ões”, finalizou a fundação.

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| NICOLÓ LANFRANCHI/GREENPEACE Há anos o povo Krenak é afetado pelo avanço da mineração na região do Rio Doce

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