Imigrantes usam a gastronomia como meio para recomeçar a vida no Brasil; sírios em BH ensinam técnicas e receitas para famílias refugiadas da guerra
Escondida entre os corredores estreitos e labirínticos do Mercado Central, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, a tradição secular dos temperos e aromas árabes saltam aos olhos. Mas é a história de superação da família de Khaled Tomeh, de 34 anos, que mais chama a atenção: refugiados no Brasil após a guerra civil que destruiu a Síria nos últimos anos, eles chegaram com praticamente nada para reconstruir a vida. Hoje com um português impecável, o engenheiro viu na gastronomia uma porta para a própria sobrevivência. “Chegamos aqui e descobrimos que o salário não daria nem para pagar o aluguel. Começamos a receber pedidos de comida árabe e isso cresceu tanto que abrimos uma lojinha aqui”, contou.
Hoje fonte de sustento para 13 pessoas, entre sírios e brasileiros, a Baity Delícias Árabes, nas palavras de Tomeh, representa “a nossa casa. Então falamos para todo mundo que as pessoas são sempre bem-vindas na nossa casa árabe”, disse. Além dos tradicionais kibes e esfihas, a loja aposta na tradição e originalidade para conquistar o paladar do mineiro. “Não foi muito difícil nos encaixarmos aqui. Produzimos tudo de primeira qualidade, como é feito lá, sem nada industrial. Importamos os ingredientes de lá para manter a originalidade e também ajudar o nosso povo a reconstruir o país, devastado pela guerra”, resumiu.
Com o objetivo de gerar renda e ajudar na adaptação dos refugiados na capital – levantamento inédito divulgado pelo governo apontou que quase 200 sírios e outros imigrantes que fugiram de guerras vivem atualmente no Brasil –, Khaled Tomeh ensina as técnicas e formas de repro- duzir as receitas. “O pão sírio, por exemplo, é feito há mais de 70 anos pelo governo. Então o povo não sabia mais como fazer. Como estudamos o preparo, ensinamos para eles. Isso porque o nosso pão é bem diferenciado. Ele não leva leite, só farinha, água e especiarias específica. Fazer em casa para a família é uma coisa, para o público é outra bem diferente”.
O sucesso é tão grande que a família vai abrir um restaurante no bairro Buritis, região Oeste da capital, até o início de fevereiro. E Khaled já tem até o slogan: uma viagem aos sabores do Oriente Médio. “Vamos utilizar os temperos que trazemos de lá, pratos típicos para o almoço, a carne de carneiro, que é um pouco difícil de achar aqui. Queremos oferecer uma comida original e saudável, de primeira qualidade”, prevê.
A poucos quarteirões, o jovem sírio Yousef Alaji, de 20 anos, montou com amigos sírios uma lanchonete de comida árabe na rua dos Goitacazes, no Centro de BH. E o campeão de vendas da Síria Gourmet, segundo Alaji, é o kibe. “Agora, estamos fazendo também os sanduíches de frango, kafta, carne ou vegetariano. A falafel sai muito também e o pessoal está gostando das pastas. Quem não conhece experimenta, gosta e volta”, comemorou. E a aventura pelo meio culinário também só foi possível com a ajuda de outros sírios.
Sabores da Índia
A culinária também salvou a família de Rukamini Kharel, de 30 anos. Depois que o pai veio para o Brasil trabalhar em um restaurante indiano em São Paulo, ela decidiu seguir os mesmos passos. “Nossa comida é muito diferente da brasileira e o pessoal gosta muito”, comemora. A curiosidade dos clientes em relação aos sabores é tanta que Rakamin pensa em produzir cursos gastronômicos sobre o universo indiano. “Os pedidos são muitos”, finaliza.