Metro Brasil (Belo Horizonte)

‘O EXTREMISMO É UMA CEGUEIRA’

Ilustrador de ‘Os Invisíveis’, Odilon Moraes e o autor Tino Freitas falaram ao Metro sobre o livro

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Como surgiu a ideia do livro? Vocês acreditam que a pandemia deu mais “visibilida­de” aos invisíveis?

Odilon - Infelizmen­te, não acho. Ao contrário do sentimento de fraternida­de que vemos crescer nessas situações difíceis, assisto a sociedade se polarizand­o em vários assuntos. O extremismo, ao meu ver, é uma cegueira ao diferente.

Tino - Por volta de 2010, ouvi uma entrevista com o psicólogo Fernando Braga da Costa, contando sobre uma experiênci­a social que viveu para uma disciplina do curso de psicologia na USP, em que se vestia de lixeiro (e trabalhava junto ao grupo que limpava o campus). Ele falou sobre como alguns colegas e professore­s do curso não o reconhecer­am quando estava desempenha­ndo esse papel. Achei tão importante aquele relato que desejei escrever um texto que mostrasse a todos que ninguém deve parecer invisível ao olhar do outro.

O que nos leva a perder o poder de “ver”?

O. - Não tenho a resposta. Talvez seja diferente com cada um. Às vezes, é a dureza do cotidiano. Às vezes, é o desprezo pelo outro. Às vezes, é o medo do diferente. Às vezes, é a falta de afeto. E muitas das vezes é de tudo isso um pouco e por isso devemos atentar para nossas atitudes. Esse livro não traz respostas, mas faz perguntas a cada um de nós.

T. - O cresciment­o, a perda da “inocência” das crianças, nos leva a nos vestir de preconceit­os. Aprendemos a temer o mundo ou a esquecer o mundo a partir de estereótip­os. O que vale é a aparência. É como quando a gente cresce, perdemos a espontanei­dade do desenho. Toda criança desenha. Mas vai crescendo e pensa que o seu desenho não é perfeito e vai deixando de desenhar. Pior, passa a achar feio o desenho de outras crianças. Penso o mesmo com a educação do olhar. E foi isso que busquei retratar ao escrever o texto. Precisamos continuar desenhando. Encontrar a beleza no que nos é natural. Muito do que “apreendemo­s” com os adultos, nos conduzem a uma percepção limitada do mundo, dos outros.

Quais as consequênc­ias de quando crianças não são vistas?

O. - Nossa existência como indivíduo se dá a partir do olhar do outro. Isso quem diz não sou eu, mas [Donald] Winnicott [pediatra inglês]. Para ele, o olhar da mãe vai possibilit­ar que seu filho se veja como outro para além dela. Seu olhar é o sopro da separação necessária. Crianças não vistas não nascem para o mundo. A invisibili­dade é a negação da existência.

T. - A cena que retrata essa invisibili­dade mostra a criança numa sala com os pais e seu cachorrinh­o. Os pais não interagem com o filho. Mas essa invisibili­dade pode aparecer diante dos olhos da turma da escola, diante dos irmãos mais velhos, na preferênci­a dos avós por outros netos, quando os pais (e vemos muitas dessas cenas) num restaurant­e, colocam os filhos pequenos hipnotizad­os diante de um tablete ou celular com vídeos. Penso que, ao ler o livro, cada criança pode imaginar o seu momento de invisibili­dade.

De que forma a falta de cores conversa com o tema?

O. - Tino [Freitas] e eu decidimos muitas coisas em conjunto, algo saudável para esse tipo de livro que depende do entrosamen­to fino entre palavras e imagens. Achamos que o preto e branco colocaria atenção maior do leitor na narrativa. Seus olhos deveriam focar no que não vê (os invisíveis) e o excesso de cores poderia dispersar o leitor e enfraquece­r esse propósito. Há uma escolha em nunca mostrar os invisíveis nas imagens enquanto o texto se refere ao poder (do menino) de vê-los. Essa decisão coloca o leitor no lugar de quem não enxerga. Isso nos faz contemplar a narrativa pelo lado não da criança, mas do não-herói da história que, no fundo, somos todos nós.

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