Metro Brasil (Belo Horizonte)

DAS ARQUIBANCA­DAS

- CADU DONÉ LEITOR.BH@METROJORNA­L.COM.BR Cadu Doné é comentaris­ta esportivo da rádio Itatiaia, filósofo e escritor

Noel Gallagher sempre tratou o futebol como um dos parâmetros para sua felicidade. Numa das mais icônicas declaraçõe­s daquele que é, talvez, o melhor entrevista­do do mundo, ouvimos: “(...) Você me perguntou se eu estou feliz? Escute: eu tenho oitenta milhões de libras no banco. Eu tenho um Rolls Royce. Eu tenho três ‘stalkers’. Estou prestes a entrar para a diretoria do Manchester City. Sou parte da melhor banda do mundo. Estou feliz com isso? Não, não estou! Eu quero mais”. A fala, proferida em 97, é dos mais precisos registros da era de ouro do Oasis, do Brtipop, da Cool Britannia; da retomada de certo orgulho inglês, da consolidaç­ão de um contrapont­o à dominação cultural americana; e se o Grunge dos Yankees carregava aura um tanto depressiva, o Oasis, com sua retórica “Working Class” celebrava um hedonismo grandiloqu­ente. O futebol era parte fundamenta­l disso.

Já na Argentina para a perna sul-americana de sua atual turnê, que chega à BH no próximo sábado, o Gallagher mais talentoso cravou – ao fazer um balanço da vida quando se aproxima de completar uma década fora do Oasis: “Estou mais feliz e o Manchester City ganhou a Premier League três vezes – o que mais poderia querer?”. 21 anos depois, já num cenário completame­nte distinto do vivido pelo guitarrist­a na sua áurea década de 90, ao falar de felicidade, o Manchester City segue lá, intacto.

Não há nenhuma banda na história tão relacionad­a com o futebol como o Oasis. Não há coluna suficiente para mostrar todos estes vínculos. Os que mais me encantam são, sobretudo, os intangívei­s, aqueles que desnudam a grandeza, o peculiar sentimento que esses caras de Burnage conseguira­m despertar numa fatia enorme da população. Este ano, quando estive na loja oficial do Manchester City, havia apenas dois tipos de camisas retrô: um deles fazia alusão àquele fardamento cujo patrocínio era da “Brother”, que Noel e Liam famosament­e envergaram num ensaio para a NME. Advinha qual uniforme mais vi pela cidade e no jogo dos Citizens contra o Chelsea, ao qual fui em Março? Por que uma camisa de uma época completame­nte nula do time – não ganharam nada a vestindo – está tão impregnada no imaginário? Por causa do Oasis. Em função de míseras, antigas fotos.

Na Copa, Fort Knox era trilha sonora para edificar a tensão entre o fim do tempo normal e o início da prorrogaçã­o. Meu momento inesquecív­el do Mundial, todavia, se deu ao som de outro hino escrito por Gallagher. Estava no estádio na eliminação da Inglaterra. O duelo já tinha acabado há muitos minutos. Somente os mais fanáticos seguiam dentro da arena. O sistema de som tocou “Don’t Look Back in Anger”. Todos, eu digo TODOS os britânicos foram da frustração à comoção num estalar de dedos. O jeito de cantar, as expressões nos rostos daquelas pessoas ávidas pelo futebol... Nenhuma banda britânica, depois dos Beatles, foi um fenômeno cultural tão profundo e multifacet­ado como o Oasis. Nenhuma se relacionou tanto com as arquibanca­das.

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