MOTO PARADA NÃO FAZ HISTÓRIA
Existem motociclistas e motociclistas: há quem se preocupe em rodar o mínimo possível com sua moto e há quem entenda que uma moto foi feita para criar histórias para lembrar e contar.
Faz parte da vida do fotógrafo, de tempo em tempo passar pelo processo de venda ou compra de algum equipamento, assim como na vida do motociclista: uma hora ou outra você vai comprar ou vender uma moto. Há bem pouco tempo passei por esse processo de vender uma motocicleta. Inevitavelmente começam as perguntas dos interessados e as questões de sempre: “único dono?"; "documentação em dia?"; "pneus estão bons?"; "já sofreu acidente?”. E, a mais famosa de todas e que encabeça as conversas: “quantos quilômetros rodados?”.
Claro que é uma pergunta relevante, fazemos o mesmo questionamento na hora de comprar um veículo. Teoricamente, quanto menos quilômetros rodados, mais novo e bem conservado! Será? Já vi motos com 20.000 km rodados parecerem novas e motos com 3.000 km inteiramente castigadas. Particularmente, minhas motos estão sempre rodando e são muito bem cuidadas e conservadas. Sou daqueles chatos que ficam inspecionando a moto toda caso ouça um barulhinho que seja, verificando os pneus e planejando meses antes a hora da troca. Mas não é esse o ponto onde quero chegar, a questão é que moto parada não faz história!
Quando olho para o odômetro da moto, não vejo como uma torneira aberta que, a cada quilômetro rodado vai reduzindo o valor na hora da venda, e sim quais as histórias que vivi com ela. Aquela chuva torrencial numa estrada mal sinalizada, aquele pôr do sol incrível que arranca um sorriso debaixo do capacete, os encontros com os amigos, as idas e vindas de um trabalho e outro, as fotos e memórias. Tudo isso tem um valor inestimável, ficam gravados na nossa alma. Daqui 20 anos, o que vai ficar na sua lembrança? 2 ou 3 mil reais perdidos na venda ou todos esses momentos que viveu com sua moto? Vira e mexe me pego lembrando de umas situações que passei de moto e me lembro com carinho de cada uma delas.
Quando morei em Londres, há muitos anos e muitos quilos atrás, no tempo em que meu joelho não doía depois de muito tempo sentado na mesma posição, tive uma Honda CB 500S, uma versão semi-carenada e de farol quadrado que não chegou por aqui. Trabalhava de courrier (era motoboy mesmo, só o nome que é mais bonitinho); rodava o dia todo e, no final de semana, quando tinha tempo livre, saía de moto para passear. Foram tantas roubadas e tantas alegrias que nem me lembro qual o valor pelo qual vendi a moto. Foi muita chuva e muito frio. Me lembro do dia em que tive que pilotar na neve: era um quase tombo a cada 50 metros. Jamais vou esquecer daquele domingo ensolarado em frente ao Castelo de Windsor; do dia em que fui entregar um documento dentro da Royal Court Of London ou do pote de azeitona na cozinha do Palace of Westminster, onde fica o parlamento.
Ao final de dois anos e meio, que foi minha estada na terra da Rainha Elizabeth e hoje do Rei Charles, vendi minha companheira muito abaixo do valor de mercado. Curiosamente, não me lembro de números, mas minha boa e velha companheira rodou muito e ajudou a construir muitas histórias que vou levar para toda vida.