Vasco, velhice e sabedoria
Nada me impressionou e me comoveu tanto quanto o respeito pelos mais velhos nos países asiáticos que visitei. Respeito é palavra modesta, até esquálida, em relaçãoà robustez do sentimento apreendido por mim ao observar o procedimento daquelas antigas civilizações ante seus idosos. Japoneses, chineses e indianos devotam a eles respeito, sim, só que acrescido de singularíssima sacralidade, em culminâncias de admiração, de obediência, de priorização.
Essas observações apressadas podem até soar grotescas e banais num país jovem como o nosso, ondese tratamos idosos como pesos mortos, inconvenientes, quase trastes velhos a serem descartados comalguma urgência. Trocando em miúdos, e antes que alguns protestos (justos, pelas exceções habituais, e as há) se alevantem: as aposentadorias dos velhos são as primeiras a serem impiedosamente diminuídas pelos governos caolhos e insensíveis — reflexos feitos e acabados em virtude do abandono infligido a eles pelos seus núcleos familiares.
A isso tudo me refiro em desconsolo, porque semana passada vivenciei o oposto. Ou seja, a glória, o apreço público e a consagração devotados a um brasileiro aos 97 anos, o embaixador Vasco Mariz, escritor e historiador que se candidatou à Academia Carioca de Letras (ele, carioca da gema), que ganhou acadeira, eque acaba dese empossar. Posse engrandecida por discurso longo, recheado de sabedoria, elegância e ardência pela vida. Sua fala cumpriu todo um ritual alargado e minucioso, com cuidados e sutilezas. O embaixador leu o belo texto co molhos e gestos vivazes, com um vigor tal que eu, muito próximo a ele, logo me acudi enternecido da deliciosa observação proferida pelo escritor português Camilo Castelo Branco ao ser saudado em solenidade literária, com surpreendente ardor juvenil,por um colega-ancião, de muletas, trôpego, caviloso e de óculos de fundo de garrafa, “meu caro, queria eu poder lhe agradecer com seu ímpeto, sua tonitruante vivacidade, seus olhos que brilham como duas estrelas em órbitas inquietas. Mas como, sem e acachapo erendo-meà velhice,como se filhos eu eu fosse ...? Trocaria a glória que tenho segundovocê, por sua sede devida, pelo vigor de sua voz e pelos seus olhos faiscantes de luz. Ato contínuo, o velhinho serelepe, esgrimindo um ‘beau gente’ agilíssimo, sacou abengala, arrancou os óculos e retrucou :“Usa isso, mas aciona ambos comum único motor prestável, a alegria do coração, e comum único lubrificante eficaz, queéo da alma de criança na cabeça .” Camilo fez-se escarlate, abraçou o colega, e verteu uma lágrima.
Vasco Mariz fez vários de nós, acadêmicos que o recepcionavam,vertermos uma lágrima. A sede devida e a elo quência do velho escritor provocaram em todos um certo sentimento indecifrável, que mediava entre admiração, consolo e até, porque não ?, possível acabrunhamento. Ou seja, receios de não chegarmos a ombreá lo quando( e se ...) muitos de nós atingíssemos a aventura gloriosa colhida por ele aos 97 anos.