O Dia

Vasco, velhice e sabedoria

- Ricardo Cravo Albin Presidente do Inst. Cultural Cravo Albin

Nada me impression­ou e me comoveu tanto quanto o respeito pelos mais velhos nos países asiáticos que visitei. Respeito é palavra modesta, até esquálida, em relaçãoà robustez do sentimento apreendido por mim ao observar o procedimen­to daquelas antigas civilizaçõ­es ante seus idosos. Japoneses, chineses e indianos devotam a eles respeito, sim, só que acrescido de singularís­sima sacralidad­e, em culminânci­as de admiração, de obediência, de priorizaçã­o.

Essas observaçõe­s apressadas podem até soar grotescas e banais num país jovem como o nosso, ondese tratamos idosos como pesos mortos, inconvenie­ntes, quase trastes velhos a serem descartado­s comalguma urgência. Trocando em miúdos, e antes que alguns protestos (justos, pelas exceções habituais, e as há) se alevantem: as aposentado­rias dos velhos são as primeiras a serem impiedosam­ente diminuídas pelos governos caolhos e insensívei­s — reflexos feitos e acabados em virtude do abandono infligido a eles pelos seus núcleos familiares.

A isso tudo me refiro em desconsolo, porque semana passada vivenciei o oposto. Ou seja, a glória, o apreço público e a consagraçã­o devotados a um brasileiro aos 97 anos, o embaixador Vasco Mariz, escritor e historiado­r que se candidatou à Academia Carioca de Letras (ele, carioca da gema), que ganhou acadeira, eque acaba dese empossar. Posse engrandeci­da por discurso longo, recheado de sabedoria, elegância e ardência pela vida. Sua fala cumpriu todo um ritual alargado e minucioso, com cuidados e sutilezas. O embaixador leu o belo texto co molhos e gestos vivazes, com um vigor tal que eu, muito próximo a ele, logo me acudi enternecid­o da deliciosa observação proferida pelo escritor português Camilo Castelo Branco ao ser saudado em solenidade literária, com surpreende­nte ardor juvenil,por um colega-ancião, de muletas, trôpego, caviloso e de óculos de fundo de garrafa, “meu caro, queria eu poder lhe agradecer com seu ímpeto, sua tonitruant­e vivacidade, seus olhos que brilham como duas estrelas em órbitas inquietas. Mas como, sem e acachapo erendo-meà velhice,como se filhos eu eu fosse ...? Trocaria a glória que tenho segundovoc­ê, por sua sede devida, pelo vigor de sua voz e pelos seus olhos faiscantes de luz. Ato contínuo, o velhinho serelepe, esgrimindo um ‘beau gente’ agilíssimo, sacou abengala, arrancou os óculos e retrucou :“Usa isso, mas aciona ambos comum único motor prestável, a alegria do coração, e comum único lubrifican­te eficaz, queéo da alma de criança na cabeça .” Camilo fez-se escarlate, abraçou o colega, e verteu uma lágrima.

Vasco Mariz fez vários de nós, acadêmicos que o recepciona­vam,vertermos uma lágrima. A sede devida e a elo quência do velho escritor provocaram em todos um certo sentimento indecifráv­el, que mediava entre admiração, consolo e até, porque não ?, possível acabrunham­ento. Ou seja, receios de não chegarmos a ombreá lo quando( e se ...) muitos de nós atingíssem­os a aventura gloriosa colhida por ele aos 97 anos.

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