O Dia

A despedida do meu filho

- Gabriel Chalita Professor e escritor

Era um velório. Um velório de um jovem. De um jovem negro. Numa região pobre de uma grande cidade.

O mapa da violência no Brasil é estarreced­or. Desperdiça­mos vidas. O número de morto sé superiora de regiões de guerra. Entre 2011 e 2015, a sangrenta batalha na Síria levou 256.124 vidas. No Brasil, no mesmo período, a sangrenta batalhado dia adia levou 278.839 vidas. Uma pessoaéass assinada no Brasil acada nove minutos. São 160 mortos por dia.

Era o velório do filho de Aurora. Aurora é um lindo nome. Significa amanhecer. Mas o amanhecer daquele dia foi doloroso. Tão doloroso quanto o amanhecer de tantas mães que veem seus filhos prematuram­ente partindo.

Aurora é professora. Paulo era o seu único filho. Aurora teve uma vida sofrida. Não conheceu o pai. A mãe, entre bebidas e lucidez, criou-a com algum cuidado. Com o que conseguiu. Ela teve garra. Ousou enfrentar o destino e se destinou a uma vida melhor. Estudou com afinco. Mulher, negra, pobre, a salvação estava no livro. Decidiu ela.

Formou-se professora. Professa todos os dias a crença de que há de salvar, do fim antecipado, os seus alunos. Entristece-se quando vai ao cemitério do seu bairro. Quando lê nas lápides dos túmulos a data de nascimento e a de faleciment­o dos que ali foram deixados. Jovens.

Aurora sempre teve a consciênci­a de que não se combate violência com violência. Mas com inteligênc­ia. Não acredita em fórmulas mágicas, em promessas de políticos inconsiste­ntes. Acredita no trabalho. E no amor. É com amor que ela vai todo dia para a sua escola e olha para aqueles moços cheios de certeza de que ela pode fazer a diferença em suas vidas.

Mas, hoje, Aurora está triste. O filho foi vítima de umadas tantas balas perdidas que encontram pessoas. Elá está em um caixão o filho de Aurora.

Ele sonhava ser engenheiro. Sempre gostou de matemática. Gostava deveras construçõe­s. Diz iaque gostaria de construir casas populares. Casas para quem não tem. Para quem sonha. Era um sonhador o filho de Aurora.

A mãe olha para o filho e nem tenta entender. Apenas sentir. Aperta o peito com as mãos. Chora silenciosa­mente. Pensa no depois. Na casa vazia. Nos livros com as anotações dos estudos. Nas fotos. No quarto com suas lembranças. Nas promessas de que seria ele a cuidar dela quandoela envelheces­se. Na injusta vida que inverteu a ordem de tudo. Quem é responsáve­l por essa dor? Não. Ela não está pensando apenas noque disparou o tiro. Está pensando em todos que fazem isso. Está pensando nas mães dos outros que, naquele dia, também estão chorando. O que o homem está fazendo com o homem? O que a humanidade está fazendo coma humanidade. Com ose combate rofo coque gera a violência?

Ensina ela Literatura. Gosta de falar das personagen­s que amame que sofrem. Explica que aL itera turaéa história dos sentimento­s. Eque os sentimento­s, geralmente, são bons. Que há mui tosque sofrem por uma fotografia no passado. E opas sadoéfil me enãof otografia. Quando se olha o todo, há mais para celebrar do que para lamentar.

Mas e agora? A foto diante do caixão vai transforma­r o filme da sua vida? Como voltara sorrir? Como sair de casa normalment­e e ir trabalhar? Como voltar depois? Como esperar os fins de semana com algum bom programa com o filho? É dor doída demais.

Aurora é guerreira. A tristeza não será fácil de ser superada. Mas haverá outros amanhecere­s. Outras famílias precisando de quem não desista. De exemplos de superação. De dedicação.

Amanhã, será um outro dia triste para Aurora. Para outras mães. Para outras famílias. A guerra continua. A violência desafiando os que sonham coma paz. Coma paz no mundo. Coma paz nas mentes. Inclusive daqueles que não pegam em arma, mas se armam para odiar.

Amanhã, será um outro dia para Aurora se lembrar, chorar e levantar. Em decisão de melhorar o mundo. É isso que ela pensa. O seu filho se foi. Os filhos dos outros ainda precisam dela.

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