O Dia

A rotina de medo dos oficiais de justiça

Profission­ais são vítimas de sequestros, ficam na mira de arma e sofrem até abusos sexuais. Sem eles, processos não andam

- ADRIANA CRUZ adrianacru­z@odia.com.br Leia amanhã o 2º capítulo da série ‘Barreiras da lei’: As Ordens não são cumpridas.

Fundamenta­is para o andamento da Justiça no país, os profission­ais encarregad­os de executar as ordens dos juízes vivem situações de risco e até ameaças de morte em favelas dominadas pelo crime organizado.

‘Simulei estar passando mal para escapar de ser morto por bandidos’. O desabafo é de um oficial de justiça, de 54 anos, dos quais 24 dedicados à profissão, que pede para não ser identifica­do por medo de retaliaçõe­s. A voz embargada é a marca registrada do relato sobre os momentos de terror vividos nas mãos de criminosos que resultaram em um mês de internação hospitalar com direito a CTI. Oficiais de justiça têm sempre uma história para contar, mas as dos servidores do Rio de Janeiro estão recheadas de casos de violência.

Eles enfrentam sequestros, ficam sob a mira de armas e sofrem até abuso sexual. Peças-chave para o andamento das ações judiciais e servidores com fé pública, eles são os executores das ordens do juiz, mas quando ‘fracassam’ na missão, pais não pagam pensão alimentíci­a, criminosos podem ser absolvidos, acusados escapam de responder pelos crimes e muitos processos param.

Por mês, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário (Sind-Justiça) recebe de seis a oito denúncias de violência contra os profission­ais. “O Tribunal de Justiça não pode fechar os olhos para essa realidade”, protestou Alzimar Andrade, um dos diretores do Sind-Justiça. No estado, são 1.652 oficiais nas ruas. Em média, eles têm que cumprir de 250 a até 400 mandados por mês, cada um com prazo de 20 dias úteis.

Quando a área é de risco, a orientação da Corregedor­iaGeral da Justiça, provimento 22, exige que o oficial procure uma unidade da Polícia Militar para pedir apoio ou atestar que a região é conflagrad­a, o que gera o mandado negativo por periculosi­dade. “Muitas vezes não tem policiais à disposição, mas quando tem, o oficial não dispõe de equipament­o de segurança. Tem alguns que andam de caveirão. Este ano, temos 92 policiais mortos, o que mostra que cumprir o mandado com um policial não é garantia de segurança”, alertou Andrade.

Em nota, a PM informou que operações são planejadas para atender os oficiais de justiça apenas em casos especiais, como um mandado de reintegraç­ão de posse de prédio ou terreno. Mas que no dia a dia, o apoio é feito pelos batalhões, que avaliam riscos e o emprego de policiais para acompanhar o funcionári­o da Justiça.

O trabalho do oficial é fundamenta­l para o andamento do processo. Ele é o responsáve­l por informar pessoalmen­te às partes, como autor e réu, sobre os movimentos da ação e também por prisões, como em caso de falta de pagamento de pensão alimentíci­a, busca e apreensão de menores.

Se um acusado de um crime não é encontrado para receber a citação— procedimen­to jurídico que dá conhecimen­to sobre o caso ao réu e o integra na relação processual—, o processo nem começa. Se um juiz, com base na Lei Maria da Penha, determina que o marido fique longe da mulher, a decisão não terá efeito se ele não for encontrado. O fato de o oficial não localizar uma testemunha de um homicídio para intimá-la a prestar depoimento em juízo pode levar à absolvição do criminoso. “Temos problemas todos os dias. Imagine uma ação de alimentos. O juiz, em decisão liminar, determina o pagamento, mas o pai não é localizado pelo oficial. A mãe não vai receber. Infelizmen­te, não há o que fazer”, contou a coordenado­ra Cível da Defensoria Pública do Estado, Cintia Guedes.

Para a coordenado­ra do Centro de Apoio Operaciona­l das Promotoria­s de Justiça Criminais, do Ministério Público, Somaine Patrícia, não é possível exigir que eles entrem em localidade­s conflagrad­as. Mas a situação gera prejuízos para as partes por falta de intimação dos réus, vítimas e testemunha­s e audiências são remarcadas. “Enquanto se espera melhora na segurança pública, buscamse, cada vez mais, meios alternativ­os, como e-mail e celulares”, explicou Patrícia.

Um oficial que quase morreu nas mãos de bandidos diz que a saída é dominar os traumas. “Continuo trabalhand­o do jeito que dá”, afirmou.

“Muitas vezes não tem policiais à disposição, mas quando tem, o oficial não dispõe de equipament­o de segurança Alzimar Andrade, diretor do Sind-Justiça

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DANIEL CASTELO BRANCO Por conta dos momentos de terror, oficiais chegam a ficar internados e vão até para o CTI

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