O Dia

Flip, Flape, Flupp

- Ricardo Cravo Albin Presidente do Inst. Cultural Cravo Albin

Ah! as feiras literárias... São a paixão de todos os que gostamos da aventura dos livros, da literatura, do conhecimen­to. Para mim, o melhor delas começou mesmo com as estridênci­as inesperada­s da primeira Flip, já lá se vão muitos anos. Esta de 2017, que se encerrou há dias, ainda hoje repercute em palestras e polêmicas dentro de livrarias e centros literários.

Compareci à primeira Flip, nem me lembro mais quando. Lá voltei muitas vezes, a palestrar em algumas, a lançar livros em outras tantas. Sólida e resistente, a Flip de Paraty encanta sempre pela diversidad­e, pela teimosia e pela audácia de ser internacio­nal, a partir do sonho da extraordin­ária mulher que a criou, agregando duas belezas, a cidade histórica e os livros, uma mesclando e matizando a outra.

Este ano Paraty reluziu com a homenagem focada em Lima Barreto. Vocês, leitores menos afeitos à literatura, fazem ideia da importânci­a deste nome? Para dizerse o mínimo, ele foi o maior escritor carioca de seu tempo (e de vários outros tempos), uma flor literária de altíssima voltagem que desabrocho­u nas duas décadas iniciais do século passado.

Mulato e pobre, mas febril em ideias e indignado com as injustiças, Lima cativou minha geração. Tanto pela unicidade do estilo, quanto pela coragem de vomitar verdades em golfadas de originalid­ade nunca vistas nesta terra. A literatura patinava quase sempre na imitação do estrangeir­o, na impostura do preconceit­o. Pois Lima Barreto foi capaz de construir uma obra homogênea e rara, cujo grito ecoará sempre — “liberdade ou morte”. A liberdade compreendi­da por ele como a libertação dos grilhões de uma burguesia engomadinh­a e burra — na verdade até espertíssi­ma, muito matreira em defender preconceit­os e conceitos de suas castas sociais ou raciais.

O simples fato de homenagear este ano Lima Barreto já seria suficiente para todos amarmos a Flip que acaba de se encerrar.

Voltando a meu entusiasmo pelas feiras literárias, o espaço mínimo de que disponho nesta página castra minhas intenções de abordar com vagar as duas outras que anuncio no título desta croniqueta. A Flape (a dos Amigos do Portugal de Eça) foi a menor feirinha do mundo, era a declaração do amor a Eça de Queiroz por parte de reunião de uma dúzia de adolescent­es ao começo dos anos 60 em Laranjeira­s. Pretensios­issímos, só admitimos à Flape quem também fosse capaz de ler nosso Lima, contraface carioca de Eça na crítica aos costumes, que exigíamos ácida e cortante.

A outra, a Flupp, é a feira das favelas. Esta, sim, uma ideia redentora que estimula os livros e a afirmação literária de comunidade­s desassisti­das. Desta feira, uma feirona cultural que vai muito além de mero blá-blá-blá, eu queria falar a não mais acabar. Mas o que acabou agorinha mesmo foi o espaço. Prometo que voltarei à Flupp.

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