SARAHAH: PREVINA-SE DOS RISCOS DA NOVA MANIA DA INTERNET
Modinha da hora, Sarahah, serviço de mensagens anônimas, causa polêmica. OAB prevê que Justiça mande bloqueá-lo
Programa que permite receber opiniões anônimas é porta aberta para bullying e discriminação. Com alguns cuidados, é possível se defender.
“Eu não tenho medo de receber mensagens negativas ou bullying. É apenas a opinião dos outros Julia Demétrio, estudante de Publicidade, 20 anos
Sarahah vem do árabe e significa ‘ honestidade’. No Oriente Médio, a pronúncia soa como ‘sourórrau’. No Brasil, a mais nova febre das redes sociais virou logo ‘sarará’ — e ganhou novo e perigoso sentido. No lugar da ‘franqueza’ sugerida pelos criadores do site, é a ‘fraqueza’ que tem se destacado, para o bem e para o mal, e pode causar mais do que irritação no destinatário: chovem relatos de machismo, bullying e até ameaças. Não por acaso, especialistas em Direito e Tecnologia da Informação já vislumbram, no médio prazo, a possibilidade de a Justiça derrubar o site, como já aconteceu com o WhatsApp.
O serviço de envio de mensagens anônimas, que desde julho se mantém no topo dos mais baixados, despertou curiosidade e sobretudo polêmica. A facilidade para mandar aquela ‘indireta’ alimenta a controvérsia: basta saber o nome de usuário (o meu é dudupierre.sarahah.com), acessar via navegador ou no app e escrever o que der na telha. Não precisa sequer se cadastrar.
“Redes sociais criam certa distância entre as pessoas. No caso do Sarahah, os internautas se sentem mais estimulados a falar o que pensam e, às vezes, não poupam ninguém. É fácil criticar e ofender sem estar olhando nos olhos e, por isso, há a discriminação e o bullying”, alerta Eugênio Cunha, doutor em Educação e mestre em Tecnologia da Informação e Comunicação.
“O serviço aumenta inabilidades, idiotiza a vida, dá potência a projetos tenebrosos como o ‘Baleia azul’” WENDEL FREIRE, escritor, espec. em Tec. Educacional “O Sarahah é capaz de liberar uma agressividade que não pode ser exposta e permite abrir uma guerra” LUIZA ELENA RIBEIRO DO VALLE, psicóloga “O problema é a cultura do desmanche subliminar: o que é belo, dá certo ou é sucesso vira alvo” JOÃO OLIVEIRA, psicólogo e doutor em Saúde Pública “Esse app tira o olho no olho. Por que não vencer a timidez? Vai gerando a sensação de que tudo é permitido” MARCUS TAVARES, professor e jornalista
MACHISMO ANÔNIMO
A diversão deu lugar ao aborrecimento para as estudantes Mariana Carolina e Karen Mary. “Muitos me mandaram perguntas obscenas. Fiquei com muito medo. ‘Qual a cor da sua calcinha?’, ‘Quando foi a última vez que você transou?’, nesse nível”, relata Mariana, de 19 anos. “Acho que esse aplicativo não vai dar certo, tem muito mais ponto negativo do que positivo nele”, opina.
Karen, de 21, passou por problema semelhante. “A princípio era uma rede social que estimulava mensagens felizes e de autoestima, mas com o tempo eu comecei a ver que o aplicativo estava indo para um lado machista. Acabei deletando”, conta.
É preciso saber aguentar o que vem do Sarahah. “Para quem recebe, pode ter um lado muito positivo que te faça se autoavaliar, mas pode ser destrutivo se você não souber lidar com as críticas”, pondera a designer Luanda Printes.
ATÉ BALEIA AZUL
O anonimato é prato cheio para mal-intencionados. Alguém que conheça minimamente a rotina do destinatário pode envolvê-lo em chantagens e desafios como o perigoso ‘Baleia Azul’.
Por essas e outras, educadores veem mais fraqueza do que franqueza. “Não vejo valor algum na crítica de quem se esconde. Segundo nossa legislação, podemos expressar livremente nossos sentimentos, ideias e juízos sobre as coisas, mas devemos responder pelas nossas afirmações. Ficar anônimo é forma clara de covardia. Honestidade não é um valor potencial do Sarahah”, ressalta Wendel Freire, especialista em Tecnologia Educacional e autor do livro ‘Ensino-aprendizagem e comunicação’ (Wak).