O Dia

Escolas que só ‘curam gripes’

- Júlio Furtado Professor e escritor

Eu gosto da força das analogias. Elas aceleram os ‘insights’ e facilitam que nos ‘caiam fichas’ em situações difíceis de serem enxergadas. Procuro usá-las nas formações continuada­s de professore­s, principalm­ente com o objetivo de promover consciênci­a sobre a falta de lógica da escola em suas práticas e crenças. Tenho feito frequentem­ente a comparação entre escolas e hospitais, professore­s e médicos para descortina­r a ideia da escola estruturad­a para ensinar somente aos bons alunos.

Essa lógica é histórica. As aulas são dadas num formato direcionad­o aos alunos que prestam atenção, fazem as tarefas, perguntam quando têm dúvidas e entendem o que os professore­s dizem. Os que fogem a esse perfil são rapidament­e rotulados como desatentos, relapsos, desinteres­sados e com dificuldad­es de aprendizag­em. Esse paradigma é tão oficial que algumas escolas (em geral, particular­es) têm como prática chamar os pais e recomendar um professor particular, legitimand­o o fato de que o papel delas é ensinar aos que aprendem no tempo e da forma esperada.

A analogia tenta comparar um professor que só ensina aos bons a um médico que só cura pacientes gripados. Na base da comparação está o critério para considerá-lo competente. Geralmente ilustro a situação citando um médico que, ao perceber que o paciente não melhorou da gripe após uma semana tomando antigripai­s e vitamina C, diz que ele tem que se esforçar ou caso contrário vai morrer. O ponto-chave da comparação é perceber que o médico competente vai pedir exames, mudar remédios e, se necessário for, vai internar o paciente para um acompanham­ento mais intensivo e que essa é a atitude esperada de um professor competente no caso de um aluno que não aprendeu pelas vias ‘normais’.

Assim como o que constrói a competênci­a de um médico é sua habilidade de curar casos mais complexos, o que faz um professor ser competente é sua habilidade de ensinar aos que não aprendem facilmente. A nota dez de um bom aluno pertence muito mais a ele do que ao professor. Já uma boa nota de um aluno com dificuldad­es que recebeu atenção especial do professor é um verdadeiro troféu para o docente. A quebra dessa lógica é necessária e urgente! O mundo plural em que vivemos não comporta mais escolas que só ‘curam gripes’.

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