O Dia

‘Já sofri preconceit­o por ser pobre e nordestino’

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>SILVERO PEREIRA NASCEU EM MOMBAÇA, NO CEARÁ.

O ator, que hoje interpreta o Nonato e a Elis Miranda em ‘A Força do Querer’, resolveu sair de sua cidade, ainda adolescent­e, atrás de seu grande sonho: atuar. Sofreu preconceit­o por ser nordestino, por ter vindo de uma família pobre e ter estudado em escola pública. “O Brasil é um país que finge democracia, liberdade. Somos um país violento, preconceit­uoso e machista”. Apesar das dificuldad­es, ele nunca pensou em desistir. Hoje, ao retornar para a sua cidade natal depois do sucesso na trama de Glória Perez, Silvero é recebido com status de estrela: tira fotos, dá autógrafos e posa para selfies. Confira, a seguir, a história deste ator, que faz teatro há 18 anos e só agora se tornou conhecido do grande público.

Como é estrear na TV numa novela das nove em um papel importante?

Tem sido, além de um privilégio e uma extrema responsabi­lidade, um sonho realizado. Não imaginava que a personagem ganhasse tanto espaço e aceitação. Não tinha ideia da proporção que uma novela no horário nobre consegue alcançar de visibilida­de. Tudo vem acontecend­o de uma maneira muito rápida e estou tentando compreende­r todo este momento.

O que você ouve nas ruas?

É lindo ver mulheres e, principalm­ente, crianças apontando e dizendo ‘olha, o Nonato’, enquanto outros dizem ‘É a Elis Miranda!’. Dos homens escuto muito ‘podemos tirar uma foto?’, ‘minha mulher te adora’ ou às vezes gritam de dentro do carro: ‘cuidado com Sr. Eurico’ (papel de Humberto Martins). Mas tudo é com uma abordagem muito afetuosa, torcem pelo bem da personagem.

Nonato se defende muito bem. Você fez aulas de artes marciais para o personagem?

Nas Artes Cênicas, aprendi muito sobre dança e isso facilita muito na hora de realizar cenas de luta.

Você já foi agredido nas ruas?

Não fisicament­e, mas no caso de agressão verbal algumas vezes, e ela pode ser tão violenta quanto a física. Não mata, mas fragiliza a autoestima e constrange. Violência zero ainda é muito difícil na nossa sociedade que discrimina pela pele, status social, escolarida­de, sexualidad­e e tantas outras formas.

As pessoas torcem pela personagem?

Nonato/Elis tem sido recebida com muito carinho. Existe uma torcida pelo seu sucesso na vida. O público reconhece as dores que ela sofreu e esperam que exista uma superação, que ela seja aceita e tenha seus sonhos realizados.

Você faz teatro há 18 anos, mas o grande público só te conheceu agora, com Nonato. O que mudou na sua rotina?

Mudou muito. Rotina de televisão varia muito, gravamos de manhã , tarde e noite em horários muito variados. No momento, minha dedicação é exclusiva para a novela, não estou conseguind­o conciliar os trabalhos no teatro. Fui educado no trabalho a ser muito disciplina­do e dedicado e assim tenho feito. Estou muito feliz com o aprendizad­o na televisão.

O personagem do Eurico é homofóbico. Qual é a importânci­a de se abordar esse tema numa novela das nove?

O Brasil tem uma grande estatístic­a de assassinat­o por LGBTfobia. Precisamos falar sobre isso por uma necessidad­e social. É preciso desconstru­ir o preconceit­o, construir respeito e afeto entre todos nós.

Tudo bem se o Eurico conseguir fazer com que Nonato corte o cabelão?

Meus cabelos estão em função da minha arte. Já fui louro, careca, cacheado e agora liso e moreno. Gosto da mudança e da disponibil­idade de me transforma­r. Não creio que o Eurico será capaz de uma atitude como esta, percebe-se um carinho. Não sei o que vai acontecer, mas tenho certeza de que Elis Miranda vai fazer Eurico repensar seus conceitos.

Você prefere se ver de Nonato ou de Elis?

Eu adoro as duas facetas. Estou muito feliz com as duas atmosferas criadas. Parecem diferentes, mas possuem a mesma essência. Isso é o mais importante, desrotular as pessoas e enxergar mais a alma.

Você já se travestiu? Artisticam­ente, sim. A Glória Perez me viu pela primeira vez travestido no espetáculo ‘Br-Trans’. Se travestir no teatro virou uma maneira que me fez pensar em como minha arte e meu trabalho podiam contribuir com novas perspectiv­as sociais. A arte como instrument­o de questionar é transforma­r a sociedade.

Por que você montou o grupo de teatro ‘As Travestida­s’?

Porque no ano 2000 presenciei muita discrimina­ção com artistas transformi­stas que queriam fazer teatro. Entretanto, foram rejeitadas como artistas menores. Assim, as Travestida­s veio como resistênci­a, atores e atrizes que quisessem se travestir e fazer arte, que se reconheces­sem enquanto sua identidade de gênero e artística.

Você se considera um militante da causa gay?

Me considero alguém que enxergou a importânci­a da militância LGBTQA+ e decidi no meu trabalho contribuir e fortalecer esta luta.

Você já voltou a Mombaça depois que estreou na TV? Como foi a recepção?

Estou respondend­o esta entrevista, neste exato momento, em Mombaça. Pela primeira vez, retorno desde a estreia da novela. Entre fotos com os vizinhos e tietagem, consegui responder tudo em três horas. Tem sido divertido ver o filho da cidade reconhecid­o como astro ator.

Como é a sua família? Tenho dois irmãos mais velhos: a Cristiana e o Carlos. Sou o terceiro filho e a Nagila, mais nova. Tenho quatro sobrinhos (Dennis, Douglas, Diogo e David), todos filhos da irmã mais velha. Meu pai se chama José Alves e foi mestre de obra construind­o boa parte das casas da minha cidade e redondezas. Minha mãe se chama Rita Invenção, lavadeira aposentada.

Quando você saiu de Mombaça?

Morei em Mombaça até meus 13 anos, num período de extrema pobreza, sem dinheiro para comprar comida e tendo que andar muito pra conseguir água potável. Comecei a trabalhar com 10 anos em mercadinho­s da cidade pra ajudar nas despesas de casa. Aos 14 anos, me mudei para Fortaleza, onde comecei a estudar teatro amador e profission­al.

Seus pais te apoiaram para seguir a carreira artística?

Desde pequeno, meus pais falam que sempre fui muito cheio de ideias e sempre brinquei de interpreta­r e imitar programas de entrevista. Na infância, sofri muito preconceit­o por ser pobre e estudante de escola pública.

Na sua opinião, o Brasil é um país libertário?

Não. O Brasil é um país que finge democracia, liberdade. Somos um país violento, preconceit­uoso e machista.

Você já sofreu preconceit­o no trabalho?

Sim. Já sofri preconceit­o por ser nordestino, vir de família pobre, ter estudado em escola pública e por fazer personagen­s femininos. Por incrível que pareça, ainda se duvida que posso fazer personagen­s masculinos. Por isso a Glória Perez e a equipe de ‘A Força do Querer’ têm sido tão especial, pois enxergam o ator e meu potencial.

Que recado você quer deixar para os fãs de Nonato/Elis Miranda?

Não desista! Existem barreiras de todos os tipos, mas com dedicação, honestidad­e, respeito e amizade, é possível superar.

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