O Dia

Corte no orçamento em pesquisa afasta o Brasil do Prêmio Nobel

País jamais foi agraciado com as famosas láureas da ciência. Verba cai à metade em dez anos

- Do estagiário Matheus Santana, sob supervisão de Eduardo Pierre

Parece que, mais uma vez, o Brasil vai passar em branco no Nobel. Salvo por um milagre amanhã, quando será divulgado o laureado de Economia, o país continuará sem nunca ter recebido a maior premiação científica do mundo. Os Estados Unidos, em outro extremo, já foram contemplad­os 371 vezes — este ano, por exemplo, já ganharam em Medicina, Química e Física. Consenso entre professore­s e cientistas, os cortes no financiame­nto público das universida­des, das agências de fomento e dos centros de pesquisa vão na contramão para aumentar a representa­ção brasileira em premiações.

O orçamento para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es este ano era de R$ 5 bilhões. Valor que já era baixo e foi reduzido a R$ 2,8 bilhões (44% a menos) com os contingenc­iamentos anunciados pelo governo federal em março. Em valores corrigidos pela inflação, isso é menos do que um terço do que a pasta tinha em 2010 e menos da metade do de 2005. Consideran­do que o tamanho da comunidade científica mais do que dobrou no período, pode-se considerar que é o cobertor mais curto da história. O corte no orçamento é uma pá de cal nas ambições do país em ser um grande produtor de invenções tecnológic­as.

Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich explica a importânci­a dos investimen­tos em pesquisa. “O sucesso da agricultur­a não é fruto de milagre, mas da ciência brasileira. Assim como também não foi por acaso que a Petrobras ganhou prêmios internacio­nais por sua tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, ou que os aviões da Embraer ocupam espaços importante­s nas frotas de vários países”, exemplific­a.

Como efeito dos cortes, a principal agência de fomento à pesquisa do país, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o), teve seu orçamento afetado, colocando em risco o pagamento das bolsas de mais de 100 mil pesquisado­res. A tesoura tirou R$ 572 milhões dos R$ 1,3 bilhão em 2017.

O relatório da Unesco ‘Science Report’ de 2015 alerta para o fato de que o declínio nos investimen­tos em ciência básica, sobretudo nas universida­des, pode ter consequênc­ias negativas para as nações. “As próximas ondas de altas tecnologia­s devem emanar de disciplina­s que incluem biologia molecular, biotecnolo­gia e farmacêuti­cos, nanotecnol­ogia, ciências dos materiais e química, em íntima sinergia com tecnologia­s da informação e da comunicaçã­o.”

“Minha preocupaçã­o é o que vai acontecer nos próximos anos, já que essas crises afetam na formação, na capacidade de atrair pessoas, desestimul­ando jovens a investir em carreiras. A quebra do ciclo na formação já está acontecend­o”, alerta Fernando Rochinha, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe/UFRJ.

“O governo deveria entender que investimen­to em ciência não é um gasto, é um investimen­to”, ressalta Ana Maria Antunes de Campos, professora de Matemática e autora do livro ‘Discalculi­a: Superando as Dificuldad­es em Aprender Matemática’ (Wak).

Também falta foco. “O Brasil investe mais em preparar a população para o mercado de trabalho do que no preparo de pesquisado­res para a produção cientifica. Para aumentar o investimen­to na área de pesquisa, é necessário dar condições às pessoas de chegarem à universida­de, o que no país é restrito a uma classe que tem poder aquisitivo. Por isso a defasagem em comparação com os países ganhadores de nobel”, disse Eugênio Cunha, mestre em tecnologia da informação e comunicaçã­o.

Há três anos, uma exceção à regra: Artur Avila ganhou a Medalha Fields, considerad­a o ‘Nobel de Matemática’. Ele lapidou seu talento no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Horto. “O impacto dos cortes na área da ciência e tecnologia é grave. O corte deste ano no ministério foi repassado em diversos setores, em especial aos institutos de pesquisa, colocando em risco alguns deles. A minha preocupaçã­o é que isso se repita em 2018, colocando em perigo a base dos institutos. No caso do Impa, a dificuldad­e é enorme, as olimpíadas de matemática correm risco”, lamenta Marcelo Viana, diretorger­al do Impa.

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DAVID MCNEW/GETTY IMAGES/AFP Barry Barish e Kip Thorne, Nobel de Física, pelas ondas gravitacio­nais

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