O Dia

As dores do reitor

- Gabriel Chalita Professor e escritor

Morreu o reitor da Universida­de Federal de Santa Catarina. Luiz Carlos Cancellier de Olivo não resistiu à dor da injustiça, não compreende­u a incompreen­dida ação contra sua dignidade e decidiu partir.

Morava ao lado da universida­de. Vivia a vida da universida­de. Foi acusado. Como tantos outros em tantas outras circunstân­cias. Preso. Humilhado. Banido. Foi condenado? Não. Não pelo devido processo legal. Foi antecipada­mente condenado, prematuram­ente condenado. Ele e tantos que se tornam vítimas de autoridade­s sem a maturidade necessária para o exercício do poder.

Há muitas manifestaç­ões de dor e de respeito ao reitor que partiu. Inclusive de setores da Justiça. Dos que compreende­m. Que lições podemos tirar? Os que o condenaram, antecipada­mente, responderã­o por isso?

Há excelentes juízes e promotores e delegados e outras autoridade­s constituíd­as para fazer valer a justiça. Mas há tantos que, embriagado­s pelo poder, pela síndrome do pequeno poder, pelos desequilíb­rios de um aplauso fácil que não se contêm e se lançam ferozes contra a primeira vítima. E vão se alimentado do seu sangue e da sua dor. Tudo estampado nos jornais. Tudo apresentad­o pela ‘verdade fabricada’ do noticiário televisivo. A perversa relação entre membros do Ministério Público e da Polícia Federal com a imprensa é caminho certo para a injustiça. Porque há excesso de pressa e ausência de cuidados. Por que é necessário dar entrevista­s, divulgar fatos, vazar procedimen­tos no início de um processo investigat­ório? Onde está a cautela de quem deveria ter a responsabi­lidade de fazer valer o super princípio constituci­onal da dignidade da pessoa humana?

Um promotor de justiça que se lança com a fome dos urubus jamais cumprirá o seu dever. Devoradore­s ávidos, cegos pela própria necessidad­e de se alimentar do podre poder. Pena. A Constituiç­ão de 1988 deu ao Ministério Público responsabi­lidades imensas. E, talvez, a maioria compreenda e assim aja. Mas os que se desviam causam mal imenso ao país. Covardemen­te, sim, porque se escondem nos benefícios da instituiçã­o, atacam presas. E uma parte do Judiciário prefere dar de ombros, lavar as mãos. Alguns por comodismo, outros por medo da imprensa. Triste imprensa que não se preocupa com a verdade, mas com a velocidade do que quer dizer. O fato? Importa menos que a versão, o preconceit­o.

Lá se foi um reitor, um educador. Foi triste. Prematuro. Viveu dias desnecessa­riamente amargos. Aprendamos com esse partir. A compaixão é um valor iluminativ­o ao direito. Compreende­r a dor do outro melhora a atuação dos profission­ais que exercem poder. Se for muito pedir esse valor, ao menos a ética. O não fazer ao outro o que não gostaria que fizessem com você.

Não conheci o Cancellier. Conheci sua história e me entristeci. E me solidarize­i e ousei sonhar com novos tempos. Tempos difíceis, hoje, em que ódios se dissipam muito mais rápido que o amor. Que o sangue nos olhos impede a alma de se apresentar, em sua janela. O que se quer é o que queriam os que iam às arenas da Antiguidad­e ver os homens sendo devorados pelas feras? Então, não evoluímos?

Descanse em paz, reitor. Só me resta uma esperança. As boas sementes, um dia, desabrocha­rão e trarão novidades. Espero apenas que não demorem, há muita dor desnecessá­ria por aí.

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