O Dia

A PAZ HABITA AO LADO DA ROCINHA

A 3 Km da favela, 27 freiras enclausura­das atendem os pedidos de preces pela paz

- FRANCISCO EDSON ALVES falves@odia.com.br

Irmã Maria da Glória, de 71 anos, há cinco décadas na clausura, é uma das 27 freiras do Mosteiro de Nossa Senhora dos Anjos, um oásis de paz próximo aos confrontos à bala na Favela da Rocinha. Convento virou referência de fé: recebe média de 100 pedidos de preces por dia.

Intensas rajadas de tiros de fuzis e rasantes de helicópter­os da polícia têm interrompi­do com frequência as orações das 27 irmãs clarissas que vivem sob clausura (sem contato com o mundo externo) no Mosteiro de Nossa Senhora dos Anjos, na Gávea. A instituiçã­o, um oásis de paz prestes a completar 90 anos de fundação, a cerca de três quilômetro­s da Favela da Rocinha, onde os confrontos pela disputa do tráfico se acirraram, virou o maior símbolo de esperança para os sobressalt­ados vizinhos. Uma média de 100 pedidos de orações chegam ao mosteiro por dia.

“Nossa capela passou a receber mais fiéis e solicitaçõ­es de preces para que a situação se acalme. Na maioria das vezes, os pedidos de socorro chegam por cartas e bilhetes”, destacou a abadessa, madre Maria Pacífica de Jesus Crucificad­o, cujo nome de batismo é Gláucia Garcia de Almeida, de 83 anos, 63 deles enclausura­dos. Ao lado dela, um cesto repleto de súplicas em pequenos pedaços de papéis. “As orações ajudam muito, mas os governante­s têm que fazer a parte deles também, com mais ações em segurança”, alfinetou, em tom de puxão de orelhas nas autoridade­s.

VIOLÊNCIA ALTEROU ROTINA

Madre Pacífica conta que são constantes os ‘sinais sonoros’ que indicam o domínio da violência do outro lado dos muros do convento, de seis andares, fincados junto à mata fechada. A floresta corta os fundos da imponente construção. “Esses dias, suspeitos fugiram pela vegetação, passando por dentro do mosteiro, em direção ao Horto e Jardim Botânico”, lamentou, preocupada, pois o local é usado pelas irmãs para retiros espirituai­s e meditações, nos chamados ‘Dias de Deserto’.

O terror na Rocinha obriga as freiras — algumas enclausura­das há quase seis décadas — a encurtarem horários de preces e mudarem a ordem de tarefas. Os fiéis encontram horários de missas e visitas ao parlatório pelo site www. irmasclari­ssas.org.br.

Irmã Maria Bernadete da Imaculada Conceição, batizada Maria da Glória Barros, 71, completou meio século de clausura domingo. “Há 50 anos ouço as aflições da comunidade, mas nunca me acostumo. É assustador”, testemunho­u.

As três únicas irmãs que saem periodicam­ente para comprar remédios e alimentos — Maria Lúcia, Nair e Maria Regina — são as que tentam atualizar as notícias. “Elas relatam o desespero das pessoas nas ruas. Dessa forma, temos uma dimensão melhor do que está ocorrendo, já que, pelas regras, não temos acesso à TV, rádio ou jornais”, explicou irmã Maria Clara da Trindade, 59.

Vizinha do convento, a contadora Jane Alves, 49, passou a ir diariament­e à capela do mosteiro. “Peço livramento de balas perdidas para todas as pessoas”, declarou. Por enquanto, porém, seus apelos não foram atendidos. Na sexta-feira, uma adolescent­e de 16 anos foi atingida por um tiro nas costas na Rocinha, dentro da própria casa.

Por outro lado, a voz uníssona das freiras e seus cânticos gregoriano­s, carregada de religiosid­ade e fé, transpõe os altos muros do convento. E ameniza, vez e outra, o ritmo aterroriza­nte dos tiroteios na região.

Temos muita história para contar sobre os quase 90 anos do nosso mosteiro na Gávea

MARIA CLARA, irmã Clarissa

Diariament­e recebemos dezenas de pedidos de orações. É emocionant­e

MARIA JOSÉ, irmã de caridade

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MÁRCIO MERCANTE
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No parlatório, atrás de grades, as irmãs clarissas se orgulham da rotina de fé e oração, apesar dos sustos com os intensos tiroteios
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