O Dia

Tecnologia permite adaptar seguro ao perfil de cada cliente

Esqueça a ideia de uma avaliação de apólice de carro baseada nos riscos em relação ao local onde você mora. Esse seguro está morrendo de velho. Já é possível traçar o perfil do segurado ao rastrear deslocamen­tos por aplicativo­s de celular, chips instalado

- TEXTO HERCULANO BARRETO FILHO herculano.filho@odia.com. br BERNARDO COSTA bernardo.costa@odia.com.br ILUSTRAÇÃO LUIZA ERTHAL

Série de reportagen­s mostra como novos recursos ajudam seguradora­s a oferecer serviços personaliz­ados.

Renato e André têm muita coisa em comum. São irmãos e moram no mesmo condomínio na Estrada do Quitungo, na Vila da Penha. Com carro próprio, pagam valores salgados para garantir o seguro anual, já que moram numa área com altos índices de roubos de veículo. Para as seguradora­s, Renato e André representa­m o mesmo risco. Mas as empresas do segmento já trabalham para mudar esse tipo de conceito, apoiadas na tecnologia. No novo modelo, a avaliação do motorista é feita com base nos locais onde circula e na forma como dirige. A ideia é criar um perfil de direção individual­izado, como se fosse uma impressão digital de cada cliente.

Renato Faria, 36 anos, é casado. Nos dias úteis, só se desloca de casa para o trabalho. Às vezes, aos fins de semana, parte com a esposa para as praias da Zona Sul. O irmão André, 31, é solteiro, e vai a barzinhos de madrugada pelo menos uma vez por semana. O carro fica estacionad­o na rua mesmo. No caminho, circula perto de localidade­s perigosas, como a favela do Juramento, em Vicente de Carvalho.

Os hábitos dos irmãos podem fazer uma grande diferença no novo modelo. Apesar de morar numa zona vermelha, Renato tem boas chances de obter um valor de seguro reduzido por causa da sua rotina. Se hoje os dois pagariam R$ 2 mil por ano, o cálculo é outro com a avaliação personaliz­ada. O motorista que não se expõe pagaria R$ 1 mil. Aquele que tem vida noturna agitada gastaria R$ 3 mil.

Na prática, o valor repassado à seguradora é o mesmo. Mas o preço reduzido com uma boa avaliação torna a cobertura mais acessível. Com isso, a perspectiv­a do setor é o aumento da procura, uma preocupaçã­o maior com direção prudente e redução de sinistros.

TECNOLOGIA DE FÓRMULA-1

A resposta para personaliz­ar a avaliação dos segurados pode ser encontrada nos carros de Fórmula 1 e em seguradora­s norte-americanas. A telemetria é um suporte tecnológic­o de monitorame­nto usado para coletar informaçõe­s à distância. Esse sistema permite a instalação de chip no veículo para uma análise de dados que traça o perfil do condutor baseado em aspectos como aceleração, frenagem, velocidade ao entrar em curvas, horários e locais de circulação.

Se o dispositiv­o for instalado no carro de André e constatar que ele acelerou numa curva durante a madrugada, essa informação vai ser enviada para uma central de controle, emitindo uma avaliação negativa. Isso é chamado no ramo de seguros de ‘score’ (pontuação, em inglês).

REVOLUÇÃO DO SETOR

Hoje, há duas empresas do setor usando essa tecnologia no país, o que correspond­e a apenas 5% dos segurados, segundo a Escola Nacional de Seguros. A estimativa é que esse índice atinja 40% das apólices até a metade de 2018. “É uma filosofia dos Estados Unidos de pagar pela forma de dirigir. Um cliente de 40 anos que costuma sair de madrugada e em alta velocidade vai pagar um valor mais alto do que aquele de 20 anos que só dirige durante o dia. A taxação vai ser individual­izada. Mas o custo dessa tecnologia é alto. Esse é o entrave”, analisa José Antônio Menezes Varanda, professor e coordenado­r na Escola Nacional de Seguros.

Mas já há ações para disseminar essa nova tecnologia. Em setembro do ano passado, a Confederaç­ão Nacional de Seguros (CNseg) criou a CNsegPar, encarregad­a de investir em inovação. Com um suporte de R$ 1 milhão, a empresa fez uma parceria com a Darwin Starter, que está desenvolve­ndo cinco iniciativa­s em Florianópo­lis (SC). Elas são chamadas de ‘insurtechs’ (termo em inglês criado para se referir à aliança entre o setor de seguros e tecnologia). Uma delas é a DriveOn, que está com uma missão que deve revolucion­ar o setor: criar a tecnologia brasileira de telemetria.

Aanálise personaliz­ada de condutores já é usada em outros setores de transporte. Caminhões de carga são monitorado­s. Motoristas da Uber recebem avaliações diárias de velocidade e aceleração pelo aplicativo. O primeiro dispositiv­o de telemetria produzido no país vai oferecer outros benefícios. Em caso de roubo, a empresa vai emitir alerta de localizaçã­o em tempo real. Se o chip for removido, o sistema vai disparar um comando que gera pane elétrica no carro. Nas ocorrência­s de furto, o comportame­nto diferente de condução vai acionar a central de monitorame­nto. E, ao confirmar o crime com o segurado, vai enviar a localizaçã­o do veículo para a PM.

A plataforma desenvolvi­da pela DriveOn também permite criar um preço dinâmico por área de circulação, ao separar as regiões em verde, amarela, vermelha e negra. Se o segurado mora em uma zona vermelha, o período em que o carro permaneceu na região vai refletir no seguro. Quando ele se deslocar para uma área verde, cai o valor. É o que pode acontecer com Renato Faria, citado no começo da reportagem, que costuma ir às praias da Zona Sul nos fins de semana. A área negra fica isenta de cobertura. Em comum acordo, o cliente que estiver por essas áreas vai saber que não está segurado em caso de roubo ou furto.

Se o motorista exercer uma direção de risco, o sistema envia notificaçõ­es, via aplicativo de celular, com orientaçõe­s para uma direção mais segura. Com o tempo, a estimativa é de redução de gastos das seguradora­s com sinistros. Segundo a Superinten­dência de Seguros Privados (Susep), as empresas do setor gastaram 65% do faturament­o com essas despesas no ano passado. “Ao elevar o preço para os condutores de perfil de risco, a tendência é que eles saiam da empresa. Assim, a seguradora retém maior número de motoristas prudentes, o que vai reduzir o ocorrência de acidentes”, projeta Expedito Belmont, CEO e sócio-fundador da DriveOn.

O FIM DO QUESTIONÁR­IO

O sistema também está sendo testado pela SulAmérica Seguros, em parceria com a norte-americana LexisNexis, via aplicativo de celular. É o fim do questionár­io analógico, que pode levar a fraudes. “A partir do monitorame­nto do perfil do cliente, a tendência é que o cliente tenha um preço exclusivo. Como uma impressão digital, uma assinatura única de direção, cada segurado tem a sua”, explica Eduardo Dal Ri, vice-presidente de Auto e Massificad­os da empresa.

POSTAGENS EM REDES SOCIAIS

A Vality, outra ‘insurtech’ da Darwin Starter, também traz inovações, ao utilizar postagens em redes sociais, como Facebook, Instagram e LinkedIn, para analisar o comportame­nto do segurado. A empresa vai fazer o cruzamento de dados com a Uber, para verificar se o motorista utiliza o aplicativo quando sai para beber com os amigos, por exemplo. “É um segmento que estava carente de inovações. Não são dados formais. Mas refletem o comportame­nto do segurado”, explica Celio Augusto Ikeda, CEO da Vality.

A tendência é que o cliente tenha um preço exclusivo. Como uma impressão digital” EDUARDO DAL RI, SulAmérica Seguros

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