Tecnologia permite adaptar seguro ao perfil de cada cliente
Esqueça a ideia de uma avaliação de apólice de carro baseada nos riscos em relação ao local onde você mora. Esse seguro está morrendo de velho. Já é possível traçar o perfil do segurado ao rastrear deslocamentos por aplicativos de celular, chips instalado
Série de reportagens mostra como novos recursos ajudam seguradoras a oferecer serviços personalizados.
Renato e André têm muita coisa em comum. São irmãos e moram no mesmo condomínio na Estrada do Quitungo, na Vila da Penha. Com carro próprio, pagam valores salgados para garantir o seguro anual, já que moram numa área com altos índices de roubos de veículo. Para as seguradoras, Renato e André representam o mesmo risco. Mas as empresas do segmento já trabalham para mudar esse tipo de conceito, apoiadas na tecnologia. No novo modelo, a avaliação do motorista é feita com base nos locais onde circula e na forma como dirige. A ideia é criar um perfil de direção individualizado, como se fosse uma impressão digital de cada cliente.
Renato Faria, 36 anos, é casado. Nos dias úteis, só se desloca de casa para o trabalho. Às vezes, aos fins de semana, parte com a esposa para as praias da Zona Sul. O irmão André, 31, é solteiro, e vai a barzinhos de madrugada pelo menos uma vez por semana. O carro fica estacionado na rua mesmo. No caminho, circula perto de localidades perigosas, como a favela do Juramento, em Vicente de Carvalho.
Os hábitos dos irmãos podem fazer uma grande diferença no novo modelo. Apesar de morar numa zona vermelha, Renato tem boas chances de obter um valor de seguro reduzido por causa da sua rotina. Se hoje os dois pagariam R$ 2 mil por ano, o cálculo é outro com a avaliação personalizada. O motorista que não se expõe pagaria R$ 1 mil. Aquele que tem vida noturna agitada gastaria R$ 3 mil.
Na prática, o valor repassado à seguradora é o mesmo. Mas o preço reduzido com uma boa avaliação torna a cobertura mais acessível. Com isso, a perspectiva do setor é o aumento da procura, uma preocupação maior com direção prudente e redução de sinistros.
TECNOLOGIA DE FÓRMULA-1
A resposta para personalizar a avaliação dos segurados pode ser encontrada nos carros de Fórmula 1 e em seguradoras norte-americanas. A telemetria é um suporte tecnológico de monitoramento usado para coletar informações à distância. Esse sistema permite a instalação de chip no veículo para uma análise de dados que traça o perfil do condutor baseado em aspectos como aceleração, frenagem, velocidade ao entrar em curvas, horários e locais de circulação.
Se o dispositivo for instalado no carro de André e constatar que ele acelerou numa curva durante a madrugada, essa informação vai ser enviada para uma central de controle, emitindo uma avaliação negativa. Isso é chamado no ramo de seguros de ‘score’ (pontuação, em inglês).
REVOLUÇÃO DO SETOR
Hoje, há duas empresas do setor usando essa tecnologia no país, o que corresponde a apenas 5% dos segurados, segundo a Escola Nacional de Seguros. A estimativa é que esse índice atinja 40% das apólices até a metade de 2018. “É uma filosofia dos Estados Unidos de pagar pela forma de dirigir. Um cliente de 40 anos que costuma sair de madrugada e em alta velocidade vai pagar um valor mais alto do que aquele de 20 anos que só dirige durante o dia. A taxação vai ser individualizada. Mas o custo dessa tecnologia é alto. Esse é o entrave”, analisa José Antônio Menezes Varanda, professor e coordenador na Escola Nacional de Seguros.
Mas já há ações para disseminar essa nova tecnologia. Em setembro do ano passado, a Confederação Nacional de Seguros (CNseg) criou a CNsegPar, encarregada de investir em inovação. Com um suporte de R$ 1 milhão, a empresa fez uma parceria com a Darwin Starter, que está desenvolvendo cinco iniciativas em Florianópolis (SC). Elas são chamadas de ‘insurtechs’ (termo em inglês criado para se referir à aliança entre o setor de seguros e tecnologia). Uma delas é a DriveOn, que está com uma missão que deve revolucionar o setor: criar a tecnologia brasileira de telemetria.
Aanálise personalizada de condutores já é usada em outros setores de transporte. Caminhões de carga são monitorados. Motoristas da Uber recebem avaliações diárias de velocidade e aceleração pelo aplicativo. O primeiro dispositivo de telemetria produzido no país vai oferecer outros benefícios. Em caso de roubo, a empresa vai emitir alerta de localização em tempo real. Se o chip for removido, o sistema vai disparar um comando que gera pane elétrica no carro. Nas ocorrências de furto, o comportamento diferente de condução vai acionar a central de monitoramento. E, ao confirmar o crime com o segurado, vai enviar a localização do veículo para a PM.
A plataforma desenvolvida pela DriveOn também permite criar um preço dinâmico por área de circulação, ao separar as regiões em verde, amarela, vermelha e negra. Se o segurado mora em uma zona vermelha, o período em que o carro permaneceu na região vai refletir no seguro. Quando ele se deslocar para uma área verde, cai o valor. É o que pode acontecer com Renato Faria, citado no começo da reportagem, que costuma ir às praias da Zona Sul nos fins de semana. A área negra fica isenta de cobertura. Em comum acordo, o cliente que estiver por essas áreas vai saber que não está segurado em caso de roubo ou furto.
Se o motorista exercer uma direção de risco, o sistema envia notificações, via aplicativo de celular, com orientações para uma direção mais segura. Com o tempo, a estimativa é de redução de gastos das seguradoras com sinistros. Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), as empresas do setor gastaram 65% do faturamento com essas despesas no ano passado. “Ao elevar o preço para os condutores de perfil de risco, a tendência é que eles saiam da empresa. Assim, a seguradora retém maior número de motoristas prudentes, o que vai reduzir o ocorrência de acidentes”, projeta Expedito Belmont, CEO e sócio-fundador da DriveOn.
O FIM DO QUESTIONÁRIO
O sistema também está sendo testado pela SulAmérica Seguros, em parceria com a norte-americana LexisNexis, via aplicativo de celular. É o fim do questionário analógico, que pode levar a fraudes. “A partir do monitoramento do perfil do cliente, a tendência é que o cliente tenha um preço exclusivo. Como uma impressão digital, uma assinatura única de direção, cada segurado tem a sua”, explica Eduardo Dal Ri, vice-presidente de Auto e Massificados da empresa.
POSTAGENS EM REDES SOCIAIS
A Vality, outra ‘insurtech’ da Darwin Starter, também traz inovações, ao utilizar postagens em redes sociais, como Facebook, Instagram e LinkedIn, para analisar o comportamento do segurado. A empresa vai fazer o cruzamento de dados com a Uber, para verificar se o motorista utiliza o aplicativo quando sai para beber com os amigos, por exemplo. “É um segmento que estava carente de inovações. Não são dados formais. Mas refletem o comportamento do segurado”, explica Celio Augusto Ikeda, CEO da Vality.
A tendência é que o cliente tenha um preço exclusivo. Como uma impressão digital” EDUARDO DAL RI, SulAmérica Seguros