O Dia

Medicina: profissão em perigo?

- Waldir Araújo Cardoso Presidente da Federação Médica Brasileira

Desde os tempos de Imhotep, no Egito antigo, passando por Hipócrates, de Cós, na Grécia, aqueles que se dedicam à arte de curar têm o respeito das sociedades pela dedicação ao seu ofício e resultados obtidos. A Medicina era ensinada de mestre para discípulo. Na idade contemporâ­nea, o conhecimen­to científico foi sistematiz­ado e passou a ser ensinado nas universida­des. Em que pese este avanço, não há alterações na necessidad­e imperiosa dos alunos em terem mestres. E, na formação, além dos livros, aprenderem na prática, seja nos ambulatóri­os, seja na cabeceira do leito. Sempre sob supervisão.

Para responder à crise da saúde e à grita da sociedade por médicos, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff optou por autorizar, de forma indiscrimi­nada, a abertura de novas escolas médicas. Até o fim do mês passado, contabiliz­amos 268 cursos de Medicina no Brasil, ranking inglório que nos deixa atrás somente da Índia, que tem 381 escolas médicas, e à frente da China, com 150 instituiçõ­es.

O aumento vertiginos­o atinge e coloca em xeque a qualidade do ensino médico tanto porque exige ampliar o número de professore­s qualificad­os, quanto pela inexistênc­ia de campos de prática suficiente­s. A velocidade com que as escolas estão sendo autorizada­s e inaugurada­s não é a mesma para a formação de mais professore­s habilitado­s e muito menos para estruturar ambientes propícios para o ensino da prática médica. E ensinar medicina, obrigatori­amente, passa pela prática, que é realizada em unidades de saúde sob a supervisão daquele mestre citado no primeiro parágrafo deste texto. O ensino do ofício médico não pode ser realizado de maneira virtual, somente na conversa de sala de aula e muito menos somente com apresentaç­ão de vídeos e explicaçõe­s de “Power Point”. Formar um médico de excelência exige o ambulatóri­o, o hospital, o contato, a avaliação, a vivência e a convivênci­a!

A abertura indiscrimi­nada de cursos de Medicina pode nos trazer, nos próximos anos, uma geração de médicos malformado­s e desprepara­dos para o mercado, o que significa dizer com competênci­as aquém do necessário para o trato com pacientes e para a realização de diagnóstic­os e tratamento­s adequados.

Dilma foi afastada e nos deixou de herança uma aliança política que nos colocou nas mãos do governo de Michel Temer, que atinge a medicina, os médicos e o movimento sindical médico ao aprovar a Reforma Trabalhist­a e a terceiriza­ção ilimitada. A nova situação nos retira direitos por legalizar a falta de vínculo estável e por escravizar os médicos na figura do “autônomo exclusivo”. Aos sindicatos, a Reforma abala seus financiame­ntos, mas temos certeza de que não em sua legitimida­de e representa­tividade. Não posso esquecer de citar o ‘brinde’ que recebemos do governo Temer: um ministro da Saúde com formação em engenharia e que do tema de sua pasta só conhece o corte de fitas de inauguraçã­o de unidades hospitalar­es.

A Saúde há anos agoniza sem apresentar melhoras. Mudam os governos, seguem as pressões das entidades médicas. Queremos participar, opinar, sugerir, compartilh­ar as vivências. Mas, como os nossos pacientes que aguardam anos por um exame, uma cirurgia, uma consulta com especialis­tas, também estamos na fila aguardando a nossa vez.

O que nos diferencia? Estamos na fila, mas não estamos quietos. Mudam os governos, mudam os gestores, e nós voltamos à mesa. Queremos negociar, somos propositiv­os. Carreira de Estado para ocupar os vazios assistenci­ais com médicos, dentistas, enfermeiro­s e demais profission­ais que contribuem diariament­e para que tentemos sair de um país curativo para um país preventivo.

A medicina está em perigo. Mas não serão governos medíocres que vão conseguir macular nossa milenar profissão. Nós médicos, somos fortes. Somos determinad­os. Somos orgulhosos do nosso ofício. Vamos enfrentar estas ameaças e superá-las. Pelo bem da Medicina, pela saúde e, sobretudo, por nossos pacientes e pela sociedade. Temos muito o que celebrar neste 18 de outubro, Dia do Médico.

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