O Dia

A cara do Rio

- Luís Pimentel

1.Caminhando pela Rua Uruguaiana, sou abordado pelo garoto que distribui aqueles papelins de propaganda de casas de massagem, cheios de fotos de mulher pelada: “Aí, tio! Cabeça branca paga meia”. A cara do Rio, né não?

2. Crianças a caminho da escola, de olhos vendados, transporta­das por adultos tão assustados quanto elas, pulando corpos ensanguent­ados nas vielas da Rocinha, são também, hoje, a cara do Rio. Ou, pelo menos, do Rio que autoridade­s omissas fazem refletir no nosso espelho diário.

3. Fotografei o tipo saindo do metrô no Largo do Machado. Jornal debaixo do braço, dobrado no caderno de esportes, bigodinho aparado à la personagem do Dalton Trevisan, olhando pros lados como se estivesse procurando vítimas. Encostou na mocinha que esperava no ponto final do 569 e disparou: “Conheço você não sei de onde”. A resposta da moça foi nota dez: “Melhor mesmo nem saber”.

5. Foi ali num ponto de ônibus do Humaitá, onde espero o busum dia- riamente. Sujeito misto de mendigo e guardador de carro, conhecidís­simo dos moradores do bairro, se aproximou de um engravatad­o e pediu um dinheirinh­o: “O senhor não tem vergonha? Um homem tão jovem, tão forte, tão disposto... por que não vai arranjar um emprego?!”, berrou o sujeito. E o mendigo, tranquilão: “Peraí, meu amigo. Estou pedindo esmolas, não conselho.”

6. Amiga minha, dentista com consultóri­o no Flamengo, é uma tremenda gozadora. Dia desses recebeu um sujeito que queria porque queria arrancar um dente. Perguntou o preço. “Trezentas pratas”, ela respondeu. O paciente chiou: “O que é isso, doutora? A senhora não leva nem dez minutos para arrancar um dente.” E a gozadora, alisando o boticão: “Se o senhor fizer questão, posso arrancá-lo bem devagarinh­o.”

7. Alfredinho, dono do Bip-Bip, templo da música brasileira e do alto astral em Copacabana, é conhecido pelo mau humor e pela tolerância quase zero. Dia desses estava lá tomando o seu vinho, meio de saco cheio das aporrinhaç­ões, quando chegou um freguês que tem fama de chato. “Tá doente, Alfredo?”, foi logo perguntand­o. “Claro que não! Por quê?”, cortou. “Porque vi você saindo da farmácia.” E o Alfredinho, de trivela: “Ah, é? Se eu estivesse saindo do cemitério estaria morto?”

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