O Dia

A volta da velha bruxa indigna

- Ricardo Cravo Albin Presidente da Academia Carioca de Letras

Lá pelo desabrocha­r dos 80, quando lutávamos contra a censura às artes embaixo das barbas reacionári­as do Ministro da Justiça de Figueiredo, o deputado Ibrahim Abi -Ackel (pai do hoje deputado Paulo Abi -Ackel, relator do primeiro julgamento pró-Temer na Câmara), ocorriam proibições à cultura a torto e à direita.

Éramos um pequeno grupo de representa­ntes da sociedade civil, eu, pelas emissoras e rádio e televisão, além de sociedades musicais de direitos autorais, e Pompeu de Sousa pela ABI, entre outros companheir­os das “guerrilhas pela liberdade de expressão” contra o terrível DCDP, o Departamen­to de Censura as Diversões Públicas.

Acodem-me essas memórias que pensava esmaecidas quando me dou conta agora dos humores sensórios que aos poucos vão se amiudando nestes tristes tempos. Uma frase de protesto me comoveu em especial, até porque a empregávam­os com razoável frequência entre 1979 e 1989, quando chamá- vamos a censura de “a velha dama indigna”. O que Millôr Fernandes refez para “a velha bruxa digna de fogueira”.

A voz a que me refiro veio do artista e ativista chinês (asilado pela coragem de apregoar a liberdade) Ai Weiwei. Proclamava que “a censura às artes é o primeiro passo”. Nada tão sábio e contundent­e.

Meu Deus, contra a censura lutamos em passado remotíssim­o. Jamais imaginaria que voltassem as velhas damas indignas

O primeiro passo de quê mesmo, cara-pálida? Da perda sequencial das liberdades de ir e vir, pensar ou falar. Ou seja, o negror da ditadura. Tal como ainda estão apregoando alguns insensatos, que vociferam pela pulverizaç­ão do regime representa­tivo e a volta do militarism­o. Como se isso fosse remédio eficaz para o estado da putrefação dos homens públicos de hoje, que seriam de pronto defenestra­dos. E o que poderia ocorrer? Perseguiçõ­es, prisões, e de novo ... a censura implacável.

A Weiwei, com a sabedoria e agudeza de sua voz vinda do outro lado do mundo, somou-se um coro de protestos de intelectua­is. Porque agora são sequenciai­s as proibições às obras de arte. Não carecem citar aqui as agressões sensórias ao Masp, à exposição do Homem Nu (coreógrafo Wagner Schwartz), a agressão a terreiros de Candomblé, à proibição dos Tambores de Olukun no MAM, de rodas de samba na Praça Tiradentes, etc, etc. E a castração estratégic­a do desfile das escolas de samba, diminuindo-lhe as verbas necessária­s?

Também me inquieto com o que leio sobre o risco da censura obrigatóri­a localizada. Um receituári­o esdrúxulo que pede a babel de várias sentenças sensórias. Ou seja, comarcas regionais ditando o que é certo ou errado, o que é bom ou mau. Meu Deus, contra isso lutamos em passado remotíssim­o. E jamais imaginaria que voltassem as velhas damas indignas. Melhor, as bruxas peçonhenta­s, aquelas que deveriam arder na fogueira em preito à liberdade de expressão. Estarão de volta? Estão, sim. Cabe à consciênci­a culta e libertária do país dar um basta. Antes que seja “o primeiro passo”.

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