CADÊ AS PROVAS? Para especialista, ministro errou e população é que perde
Ministro Torquato Jardim acusa comandantes da PM do Rio de serem sócios do crime organizado
Desde às 8h da manhã de ontem, o entra e sai de oficiais do alto escalão da Polícia Militar era intenso no Quartel General, na Cinelândia. Indignados, eles formaram uma fila para conversar com o comandante-geral da corporação, coronel Wolney Dias, a respeito das declarações do ministro da Justiça e Segurança Pública Torquato Jardim ao portal Uol. Sem apresentar provas ou dar nomes, o ministro disse que comandantes de batalhões da PM “são sócios do crime organizado no Rio” e que as “nomeações das unidades são feitas por um deputado”. Ainda na entrevista, Torquato considerou que o governador Luiz Fernando Pezão e o secretário de Segurança, Roberto Sá, “não controlam a Polícia Militar”. E acredita que a morte do coronel Luiz Gustavo Teixeira, assassinado no Méier em um assalto no dia 26, foi motivada por “acerto de contas”.
Segundo Torquato, a prisão dos chefes do tráfico em presídios federais fez com que o crime, que era vertical, virasse horizontal. “É aí que os comandantes de batalhão passam a ter influência. Não tem um chefão para controlar. Cada um vai ficar dono do seu pedaço. Hoje, os comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio”, afirmou, segundo o portal.
As reações de indignação não se limitaram somente à Polícia Militar. Presidente da comissão de Segurança da Assembleia Legislativa do Rio, a deputada Martha Rocha (PDT) classificou a afirmação como irresponsável. “Essa comissão não vai se calar. Temos que ser incisivos e interpelar o ministro. O mínimo que podemos exigir é que ele esclareça com nomes, datas e fatos do que disse”, declarou. Ofícios foram enviados à Procuradoria-Geral da República, ao próprio Ministério da Justiça e à Câmara dos Deputados, pedindo posicionamentos.
Durante a tarde, deputados se revezaram repudiando as afirmações no plenário. Para o deputado Luiz Paulo (PSDB), a obrigação do ministro é garantir as investigações. “Se ele tem desconfianças, que investigue. Mas não diga de forma que atinja a todos, sem exceção. Isso não é comportamento de um ministro”.
Paulo Ramos (Psol) foi na mesma linha. “Sendo ele ministro da Justiça, a primeira obrigação seria mandar apurar. Na medida em que ele faz essas declarações, já há a obrigatoriedade de chamá-lo a responsabilidade”, declarou.
O Comte Bittencourt (PPS) pediu a exoneração. “O mínimo que poderia acontecer era ele pedir exoneração ou ser demitido”, defendeu.
Em entrevista ao DIA, o secretário de Segurança, Roberto Sá, ratificou as afirmações dos deputados. “Fiquei surpreso com as declarações que foram feitas de forma generalista. Se ele tem provas do que disse que nos repasse que cortaremos na própria carne”, garantiu, lembrando o trabalho das corregedorias. Indagado sobre a afirmação do ministro de que ele “não tinha pulso” na PM, Sá disse que era uma fala injusta. “É uma declaração injusta com um secretário que aceitou estar neste cargo no momento mais difícil que o estado atravessa, em uma crise financeira sem precedentes, perdendo policiais quase que diariamente. Mas, mesmo assim, com níveis de altos de prisões e de apreensões de armas crescente. Tenho muito orgulho do trabalho que a polícia militar vem fazendo. Não há falta de liderança, toda a PM está integrada em um nível estratégico, eu só tenho a lamentar realmente”. Ainda segundo Sá, as falas parecem ter origem “de uma pessoa que parece desconhecer como a Segurança Pública funciona no Rio”. Ao assumir o cargo de ministro, em maio deste ano, Torquato disse que sua “experiência na Segurança Pública foi ter duas tias e eu próprio assaltados”.
O comandante-geral da PM, Wolney Dias, disse que comandantes da Polícia Militar irão se reunir com o governador hoje, à tarde. “Eles vão falar sobre a sua indignação com o ministro, que tenta manchar a imagem de toda a corporação. Inclusive, com um oficial que morreu há quatro dias [coronel Teixeira] e que não pode se defender”, disse. Uma representação judicial não foi descartada. Em nota, Pezão mostrou repúdio. “O governo do Estado e comando da PM não negociam com criminosos”. > Especialistas condenaram a fala do ministro por fazer acusações graves sem provas e sem determinar investigação. “É inegável que as polícias do Rio precisam limpar de seus quadros quem usa as instituições para fins indevidos. Mas o ministro cometeu uma incontinência que o cargo não admite. Parece conversa de boteco. Se tomou conhecimento disso, deveria ter comunicado ao governador ou pedido ao Ministério Público ou à Polícia Federal para investigar”, comentou o ex-secretário Nacional de Segurança José Vicente da Silva Filho. O delegado federal aposentado Antônio Rayol acredita que a integração do Rio com as Forças Armadas pode sofrer abalo. Destacou que a atitude do ministro demonstra omissão do governo federal. “A população tem a impressão de que a Secretaria de Segurança está sem comando. Está sem comando, mas quando o governo estadual pede ajuda e o governo federal não toma atitude, cada um joga a responsabilidade para o outro e a população fica perdida.”