O Dia

Desfazendo a ‘ideologia de gênero’ no Brasil

- Paula Drumond Professora do Instituto de Relações Internacio­nais da PUC-Rio

Apassagem da filósofa norte-americana Judith Butler pelo país causou enorme furor dentro e fora das redes sociais. Em São Paulo, onde debatia democracia, grupos de manifestan­tes se enfrentava­m a favor e contra sua presença. Nas semanas que antecedera­m o evento, petição foi criada pedindo cancelamen­to do evento, alcançando mais de 360 mil assinatura­s. Acusação? Ela seria mentora intelectua­l de “ideologia nefasta” que visa a corromper famílias e valores morais tradiciona­is.

A histeria gerada pela visita de Butler está longe de ser episódio isolado. O policiamen­to dos debates sobre “ideologia de gênero” e seu enquadrame­nto como projeto político de esquerda ressaltam a urgência de desfazermo­s esses discursos de alarme. Ao confundir o ensino sobre gênero com influência à orientação sexual de crianças, os críticos disseminam mitos para ofuscar fatos: o Brasil é recordista em homicídios de homossexua­is e transexuai­s. Estima-se que um indivíduo LGTB é assassinad­o a cada 25 horas no país, segundo o Grupo Gay da Bahia.

Encarando esses dados, os críticos rebatem alegando a inadequaçã­o dessas discussões entre menores. Respon- demos então com mais fatos: as escolas brasileira­s estão longe de ser um espaço seguro e livre de violências contra minorias sexuais e de gênero. Mais de 70% dos estudantes LGBT já sofreram algum tipo de agressão. Em muitos casos, tais violências são responsáve­is pela evasão escolar, com prejuízo do acesso à educação. Diante disso, o Plano Nacional de Educação visava, por meio da incorporaç­ão do tema nos currículos escolares, a garantir a esses indivíduos um ambiente seguro e respeitoso de aprendizad­o.

Com a visita de Butler, o fardo da violência vivenciada por minorias sexuais e de gênero é novamente abafado por distorções que dizem respeito à produção acadêmica da filósofa. O texto da petição chama a atenção nesse sentido ao afirmar que o seu trabalho estaria incitando a livre experiment­ação sexual.

Cabe esclarecer que o trabalho desenvolvi­do por Butler não propõe a experiment­ação de determinad­os comportame­ntos sexuais, nem que identidade­s de gênero possam ser livremente escolhidas. Ao contrário, o gênero segundo a autora não é um papel que elegemos tal qual uma vestimenta. Para Butler, indivíduos já se encontram limitados por discursos de gênero que estão fadados a repetir e imitar. Ironicamen­te, portanto, não é Butler, mas, sim, aqueles que se opõem às suas ideias, que tratam o gênero e a sexualidad­e como algo que o sistema de ensino tem o poder de modificar.

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