A GORJETA SUMIU
Com a crise e uso de cartões, garçons e entregadores perderam em média 30% do reforço na renda mensal
Ivo Leite, garçom em Benfica, diz que conta até piada para cativar o cliente. A crise derrubou 30% dos ganhos da categoria. Os porteiros, por sua vez, já apelam para as caixinhas de Natal.
Profissionais de diversos ramos, que perderam a renda extra das gorjetas nesses tempos bicudos da economia, estão tendo agora tendo até que rebolar para conseguir um incremento na renda fixa. Vale quase tudo para, pelo menos, abrandar o perrengue nas contas no final do mês. Nos edifícios, as famosas caixinhas e livros de ouro já começam a fazer parte do visual nas portarias.
O presidente do Sindicato dos Garçons, Barmens e Maítres (SIGABAM-RJ), Antônio dos Anjos, conta que no caso dos 9 mil garçons do Rio em atividade, os ganhos estão três vezes menores que há cinco anos. “Hoje, recebem pouco mais que o piso, de R$ 1.080.65. Já ganharam mais de R$ 3 mil, em média”.
Para recuperar parte da remuneração, muitos deles estão recorrendo até a dança e ao teatro para reconquistar o consumidor e, claro, o famoso “faz-me rir” (dinheiro, na gíria). “Os tempos são outros. Além de servir bem, o garçom tem que se transformar em artista. Cliente bem atendido, volta, e faz questão de dar os 10%”, justifica, com a propriedade de quem já foi garçom, Max Pires. Pesquisas indicam que mau atendimento representa 70% dos motivos pelos quais as pessoas não voltam ou não dão gorjetas.
De tanto vivenciar isso, Max, conhecido como o “encantador de clientes”, inventou um curso, o Garçom Vendedor, que ensina os profissionais de bares e restaurantes a potencializar as caixinhas, aumentando em até 30% a receita fora do contracheque, “vendendo bom humor”. O treinamento envolve dança, teatro, oratória, mímica e expressões corporais.
“Sem ser inconveniente, o garçom tem que ser agradável. Pesquisa do Instituto Food Service Brasil diz que a ligação de um cliente com um restaurante está relacionada ao fator emocional. Ou seja, se ele é bem tratado, certamente regressará. Mais que fidelizar, é preciso `fãdelizar´ o cliente, pois a boa recepção conta mais que a própria qualidade da comida e o preço”, diz Max. Ele diz que já emitiu mais de 10 mil certificados pelo Brasil e de 21 a 23 deste mês, aplicará o curso no Rio (detalhes em garcomvendedor.com.br).
O garçom Pedro Ivo, 39, é um “malabarista”, como se define. Faz dupla jornada de 9h as 2h da madrugada, no Restaurante Brasa Show, em Benfica, na Zona Norte, e em casas de festas da Zona Sul. O esforço é para sustentar três filhos. “Já fiz mágica. Só não sei cantar. O resto eu encaro”, brinca Pedro. Elee se “vira nos trinta” em tês ônibus, metrô e vans para dar conta do recado.
Ivo Leite, 39, é um dos queridinhos dos frequentadores do Empório de Fátima, no Cadeg, pela simpatia. “Conto até piada se me pedirem pela gorjeta, que com pagamento em cartões, andam meio sumidas”, comenta.
Em Vila Isabel, 30 funcionários do Edifício Eldorado, já espalharam seis caixinhas de Natal pelos cinco blocos e garagem. “Os moradores são sempre generosos. Porteiros, por exemplo, conseguem dobrar os salários”, revela o administrador, Paulo Scalércio.
Se o freguês é bem tratado, ele vai se sentir em casa e regressará. Mais que fidelizar, é preciso `fãdelizar´ o cliente
MAX PIRES