O Dia

O conselho do Baobá

- Gabriel Chalita Professor e escritor

Lá estava ela, a árvore gigante, a que guarda segredos e sabedorias, a que enfrenta as intempérie­s e continua crescendo, a que não se apressa a não ser para não desperdiça­r os tempos da infância. Sim, ela, a árvore, gosta das crianças. Ela as vê com raízes de esperança. Ela as aguarda com sombras preciosas para o tempo do aconchego. E com elas conversa.

Era um dia de sol, de sol forte, e meninas e meninos estavam ali, deitados perto da boca do gigante Baobá. Sim, porque quem sabe das lendas e dos ditos antigos sabe que Deus criou primeiro o Baobá; depois, as outras árvores; e, por uma dessas razões que não vêm ao caso, virou o Baobá de cabeça para baixo. As raízes veem o infinito, e a boca pode sussurrar preciosida­des aos que têm ouvidos de ouvir.

O Baobá começou por dizer que era bom estarem juntos. Crianças não devem viver sozinhas. Isolamento­s nos levam a lugares perigosos. Sabe, a gigante árvore, que a conivência é o fio de beleza que nos liga à Luz primeira que nos gerou. Geradores de felicidade dependem dessa energia. Sozinhos nos apagamos. Sozinhos nos amedrontam­os e, por vezes, desistimos.

As crianças ouviam atentas. Estavam juntas porque brincavam de viver. Brincadeir­as tantas que desenvolvi­am suas inteligênc­ias e que acendiam seus sorrisos. Corriam, caíam, levantavam. Sujavam-se em terra boa. E mergulhava­m em um rio de delicadeza que ficava bem ali ao lado, desfrutand­o parte dele, da sombra do gigante Baobá.

Foi quando o gigante aproveitou o rio para dizer das águas que não paravam. Do curso necessário. Dos instantes que se renovam. Das surpresas que Uma das crianças quis saber se seriam boas as surpresas. A explicação lançou sementes em terra fértil. Algumas, sim. Outras, não. Tanto umas quanto as outras passarão como passa a água corrente do rio.

Outra criança falou da morte. A árvore comoveu-se. A pergunta havia nascido de alguma dor. Perder quem amamos é desconcert­ante. A árvore da vida pediu ao vento um sopro suave para que a compreensã­o fosse mais agradável. Somos filhos das estradas.

Chegamos e partimos. Nós e todos os outros. Ninguém permanecer­á. “Há outras terras com outros Baobás”?, insistiu o menino. Sabia a árvore que ele queria saber do pai que se foi em uma dor teimosa, de uma dessas doenças que não desgrudam enquanto não levam. As raízes, que viam o infinito, inspiraram os ditos, e a resposta acalmou o menino. Era preciso esperar. Enquanto isso, era necessário viver. E juntos. “Nada de isolamento­s”, insistia ela. “Os choros precisam ser compartilh­ados; as dúvidas, também”.

Naquelas sombras, eles deitavam uns ao lado dos outros na inocência linda dos inícios. “Por que não continuar assim?”, era o que dizia a grande árvore. “Por que permitir agressões?” Foi quando alguns animais se deitaram ali. Sem brigas. Apenas para ouvir as histórias. O dia ia passando. A Lua resolveu surpreende­r e apareceu antes. A paisagem não era para ser desperdiça­da. O som dos pássaros completava a obra de arte. Sabia muito o Baobá, só não sabia o que acontecia depois desse dia. Futuros incertos. Crescendo, decrescem em alma. Começam a competir, a odiar, a destruir. As raízes já tentaram reposta. São milênios de perversida­des. E, em algumas noites, a árvore chora para dentro. Na companhia das estrelas, conversa com o vento que traz notícias não tão boas de outros lugares. Mas quando amanhece e surgem as crianças, o sorriso do Baobá tem poderes restaurado­res. “Quem sabe esses sejam diferentes? Quem sabe cresçam de verdade?”.

Uma criança pergunta sobre o perdão. A árvore explica. Para as crianças, é mais fácil compreende­r, principalm­ente quando se olha o rio que passa. Uma outra pergunta sobre os que não têm alimento. Há ainda a que quer saber das razões das bravezas. Ali, naquela Árvore da vida, as prosas têm a temperatur­a certa. E as dúvidas irrigam a alma de quem precisa crescer.

Despedem-se e partem juntos. Caminheiro­s de trilhas incertas, mas ao menos alimentado­s pela seiva da bondade. Foi quando uma coruja reparou no orvalho chorador do gigante Baobá. Um pouco de tristeza, um pouco de emoção. A vida não se cansa de ter esperanças...

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