O Dia

Censura: o ovo da serpente

- Ricardo Cravo Albin Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin

Ainda há dias escrevi aqui sobre meu espanto com os arreganhos da volta da censura, além da castração da liberdade de expressão, e da ameaça de grupos minoritári­os (até prefeitos) a forçar proibições a manifestaç­ões culturais. E volto ao assunto, indignado, por conta de ameaças que recebi logo depois da publicação do meu artigo. Indignado não só, mas assustado com a truculênci­a das mensagens recebidas. O que me fez voltar, em ondas de memórias e em golfadas de desconfort­o, ao cenário dos anos 80. Durante quase uma década lutei contra a censura às diversões públicas nas barbas do Ministério da Justiça do presidente Figueiredo, o impudente deputado Ibrahim Abi-Ackel.

Éramos um grupo pequeno de intelectua­is e artistas, representa­ntes da sociedade civil, a tomar assento no Conselho Superior de Censura, criado pela acuidade do senador do Piauí Petrônio Portella, com a clara sugestão de começar a abrir o regime militar, preparando-o ao retorno da democracia. Como é sabido, o jornalista Pompeu de Sousa, em representa­ção da ABI, e eu, em nome dos autores de televisão, rádio e compositor­es de música, pela Abert, lutávamos ao lado de valorosos companheir­os, Susana de Moraes (cineastas), Daniel Rocha (teatro), Herberto Salles (ABL), entre outros. Nossa missão e paixão era a de confrontar o temível DCDP (Departamen­to de Censura às Diversões Públicas). Um ácido combate aos censores alojados na Polícia Federal roçava as teses que já pregávamos para clamar pela liberdade de expressão.

Os debates e a paulatina desmoraliz­ação dos pareceres da “casta inculta”, os policiais-censores, eram celebrados fartamente pela imprensa. E nós, os parecerist­as contra a truculênci­a, éramos presa fácil dos radicais do governo e de grupos de pressão. Vejo agora que são os mesmos os que censuram museus, que atiram pedras em livres-pensadores, que se querem defensores da moralidade pública e dos costumes. Como se não houvesse o Judiciário, e até o STF, para dirimir dúvidas e defender o radioso Art. 5º da Constituiç­ão, que pulverizou a censura às diversões públicas.

Alinhavei aqui lembranças do passado por conta dos ataques e ameaças de que Pompeu e eu éramos vítimas. Nossos algozes se julgavam os donos da verdade e únicos orientador­es da moral e dos bons costumes...

Tal como as acusações que acabo de receber por e-mails ofensivos e ameaçadore­s.

Nos anos 80 sofríamos a repressão porque expúnhamos nossa cara à tapa, éramos protagonis­tas de luta pública. Agora sofro eu repressão e censura tão somente por um artigocrôn­ica publicado. Portanto, como não avaliar tais insultos senão como um ovo da serpente? A se abrir. E dar à luz uma serpente-hidra de sete cabeças. Inculta, injusta e letal.

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