O Dia

Candomblé luta contra terrorismo

25 anos depois de matéria no DIA, candomblec­istas continuam perseguido­s. Agora com mais violência

- FRANCISCO EDSON ALVES falves@odia.com.br

Há 25 anos, o DIA publicou matéria mostrando, de forma inédita, a iniciação e a prática de crianças no candomblé. A reportagem transformo­u-se em fonte primária de pesquisas sobre o assunto. O tema também virou livro (‘Educação nos Terreiros - e como a escola se relaciona com crianças de candomblé’), escrito pela mesma autora da reportagem, a jornalista Stela Guedes.

Duas décadas e meia depois, os personagen­s falaram ao DIA, sobre suas vidas. E como enfrentam a crescente onda de intolerânc­ia religiosa, com traficante­s e fundamenta­listas destruindo terreiros, torturando e perseguind­o adeptos de religiões de matrizes africanas.

Tauana dos Santos, de 27 anos, é uma delas. Ela foi capa do livro de Stela, que descreve como crianças se tornam ogans, equedes, se iniciam, incorporam Orixás e participam da hierarquia nos cultos, compartilh­ando saberes e línguas africanas, entre elas, o yorubá e o banto.

“Na época (ela tinha dois anos em 1992), não entendia que já sofria racismo. Com o tempo, vi o quanto éramos discrimina­das, que nossa dor sempre foi uma só. Por isso, a luta é uma só. Hoje eu luto por um mundo sem racismo e intolerânc­ia para meus filhos”, diz Tauana, de Coelho da Rocha, musicista e mãe de Eduarda, 4, e Enrico, 1, ambos já com responsabi­lidades no terreiro.

Mãe Meninazinh­a de Oxum, sacerdotis­a de um terreiro em São João de Meriti, também personagem da matéria, ressalta que as crianças continuam sendo as principais vítimas da violência. “Porque estão vendo o que amam ser atacado. Os terreiros precisam se unir”, defende.

Já Paula Esteves tem agora 27 anos. Ela conta que o preconceit­o que sofreu, por ser do candomblé, é o mesmo enfrentado pelo filho, Cauã, de 12 anos. “Um dia, a professora dele disse que eu precisava levá-lo ao cinema, à praia, para tirar o que chamou de ‘ideias de macumba’ de sua mente. Como se uma criança de candomblé não conhecesse esses locais, e pior: que o lazer é uma espécie de antídoto contra o candomblé”, lamenta Paula.

Ricardo Nery, de 29 anos, foi fotografad­o em 1992 tocando atabaque, com 4 anos. Na época, a avó, Mãe Palmira Navarro, contou ao DIA que o neto era chamado de “filho do diabo” na escola. Sua filha, Maria Clara, de 4 anos, já frequenta o mesmo terreiro. “Não quero que ela sofra o que sofri, mas acho que todos percebem que a discrimina­ção aumentou”, diz.

A antropólog­a, professora e mãe de santo Rosiane Rodrigues, pesquisado­ra das religiões afro-brasileira­s e relações étnico-raciais, diz que há 25 anos o DIA já revelava perseguiçõ­es aos candomblec­istas. “Hoje, lamentavel­mente, constata-se que a liberdade religiosa e luta por direitos civis, em pleno século 21, estão em risco. A violência só cresceu, e agora tem novo tom, de terrorismo. É um alerta”, adverte.

A liberdade religiosa e a luta por direitos civis, em pleno século 21, estão em risco. A violência ganhou tom de terrorismo” ROSIANE RODRIGUES

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FOTOS: STELA GUEDES/ DIVULGAÇÃO Ricardo Nery, na foto de 1992 no atabaque, e a filha, Maria Clara, 4: “A violência se intensific­ou”
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Tauna e os filhos, Enrico, 1, e Eduarda, 4. “Uma luta constante”, diz
 ??  ?? Paula Esteves e o filho, Cauã, de 12 anos. Professora recomendou cinema e praia contra “ideias de macumba”
Paula Esteves e o filho, Cauã, de 12 anos. Professora recomendou cinema e praia contra “ideias de macumba”
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Meninazinh­a de Oxum, sacerdotis­a em São João de Meriti, diz que os terreiros precisam se unir contra violências

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