O Dia

O horror, o horror...

- Ricardo Cravo Albin Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin EDUARDO PIERRE ▪ e-mail: pierre@odia.com.br

Embora cabíveis, não pensem que as duas palavras acima se referem à indignação pela cidadania ultrajada. Ou pela prisão em série dos patéticos dirigentes do Rio, os de ontem, os de hoje e até os de futuro próximo.

Tampouco imaginem que estou a me referir à vergonha da inseguranç­a pública, ao inominável abandono de itens de essência como escolas e hospitais.

Não, este horror de agora é um horror menor, mas não menos agressivo para quem cultua a cidade. É também um esboço possível do desprezo do poder municipal para com os adereços que mimoseiam praças e passeios públicos, ou seja, as estátuas, as obras de arte, as esculturas. Por outro lado, antepõe-se ao abandono a selvageria dos indivíduos que as golpeiam sem dó, nem piedade. Tão-somente para trocá-las por míseras moedas em ferro-velho, ou por abjeta maldade, ou ainda para atender a colecionad­ores hediondos (sim, eles existem), capazes de encomendar a ‘bandidos’ de aluguel a privatizaç­ão de obras de arte do povo, da cidade, do país.

Meu amigo Nireu Cavalcanti, zeloso (e corajoso) defensor da história e dos bens cariocas, denunciou recentemen­te o estado de descaso a que nossos acervos de rua são desterrado­s.

Mantenho interesse quase sacralizad­o por esses mimos urbanos e costumo chamá-los de “adereços artísticos das praças”. Serão todos eles suas pulseiras, seus brincos, seus colares a embelezá-la. Indispensá­veis, já se vê, à formosura de uma cidade-mulher como a nossa.

Não pretendo me dar o acabrunham­ento de enumerar a destruição das centenas, talvez milhares, de joias subtraídas aos olhos de todos nós. Dói-me demais, em especial, a brutalidad­e com que pequenos adornos são destruídos pela selvageria de meliantes, que, acho, não fica atrás da olímpica desatenção municipal. Ao contrário, ambas se conjugam, e potenciali­zam o horror.

Abate-me o destroçame­nto de peças de Mestre Valentim, ícones do século 18, em especial as do Passeio Público. O Chafariz dos Jacarés foi duramente vilipendia­do, com animais em bronze sem parte de rabos, dentes. Também, meu Deus, a Estátua de Tritão (igualmente valentina), dentro do Lago do Passeio, foi condenada a ficar cotó, com o braço de cobre cortado e roubado. Mas o horror também há de ser tributado ao descaso da prefeitura, não só por conta do Chafariz dos Jacarés, como também pelo abandono do não menos encantador Chafariz do Lagarto, praticamen­te coberto por sujeira, mato alto, dejetos.

Paro por aqui, propondo uma brevíssima reflexão à prefeitura: quando o poder público cuida, limpa, recompõe, o cidadão tende a limitar sua sanha destruidor­a.

O exemplo do metrô, bem tratado e prontament­e recuperado de eventuais maus-tratos, serve como modelo. O distinto público se habitua aos bons tratos. E também os repete. Até por instinto.

Se nossas obras de arte públicas merecessem atenções máximas em cuidados, duvido que o espírito predador prosperass­e.

Talvez não estivéssem­os aqui a bradar “o horror, o horror...”

Abate-me o destroçame­nto de peças de Mestre Valentim, ícones do século 18, em especial as do Passeio Público

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