O Dia

Agora vai?

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▪ Num vaivém há meses na pauta do Supremo Tribunal Federal, a ADI 4874, que trata da proibição do uso de aditivos de sabor no cigarro, voltou à fila para esta semana. A ação contra é da Anvisa, que informa ter jurisprudê­ncia, embora a indústria do tabaco conteste. Fato no mercado é que restringir o uso do sabor não vai inibir o consumo.

Lygia é escritora. Entendeu, desde cedo, sua vocação. Criou personagen­s e decidiu seus destinos. Compreende­u o âmago dos que sofrem, dos que riem, dos que dizem, dos que ouvem. Não fez julgamento­s. Empacotou dúvidas e enviou aos leitores. “Decidam”. Nada de juízos morais, nada de conclusões apressadas, nada de rótulos fáceis. As personagen­s devem ser desnudadas, aos poucos, no avançar das páginas, no desenrolar das narrativas.

A literatura tem esta beleza: história dos sentimento­s. Com as profundeza­s necessária­s. O que é raso não é literatura. É descartáve­l. Lygia preocupa-se com o duradouro. Nos textos e na vida.

Pois bem. Em um desses dias comuns — belos são os dias comuns —, Lygia soltou um comentário em tom elegante: “Falam muito essas pessoas, sabem tudo; já eu... tenho tantas dúvidas”. Disse isso e alimentou-se de algumas uvas, sem pressa, saboreando o sabor adocicado. “Hum, que delícia!” Prazeres simples enfeitam os seus dias. Uma echarpe, presente de algum amigo, descansava sobre os seus seios. Lá estava ela, dona de muita sabedoria e ciosa de que as arrogância­s não nos acrescenta­m nada.

Gosto de ouvir Lygia e suas palavras entremeada­s de experiênci­as e bom humor. Não gosto de ouvir pessoas que “sabem tudo”. Fico perplexo em ouvir ditos apressados sobre assuntos desconheci­dos. Lá vem uma opinião, não uma pergunta. Lá vem um dizer destilando ódio sobre quem pouco se conhece.

Há um antigo ensinament­o árabe que nos relembra que há dois ouvidos e apenas uma boca. Há um outro, indiano, que diz: “Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que o silêncio”.

Lygia aprecia o silêncio. Os que cultuam a sabedoria apreciam o silêncio. O pensar nasce do silêncio. As palavras nascidas — não do pensamento, mas dos desejos mal administra­dos — são perigosas. Amizades são desfeitas. Tardes de domingo desperdiça­das.

Canso-me dos que pontificam verdades. Sobre qualquer assunto. Basta que narrem algum drama e lá estão eles, os que pouco pensam e muito dizem. Sobre política ou economia, sobre medicina ou filosofia, sobre a vida do outro. Ah, sim, eis o prato predileto no banquete dos supérfluos: a vida dos outros. Não. Nada de celebrar a vitória dos outros, suas conquistas, seus valores, sua contribuiç­ão para a melhoria do mundo. Gostam é de fazer torto o que nem sempre torto é.

Lygia prefere falar do ontem e das conquistas dos desbravado­res de tantas áreas. Gosta do tema do amor. Do amor que nos expande. Do amor que nos oferece o melhor de nós. Em suas mãos marcadas de lindas histórias, o desenho do tempo gasto com a pena escrevedor­a. Em sua alma jovem, a esperança de um mundo que ainda nos surpreenda. “Nem tudo está perdido”, ensina ela. “Prossigamo­s, caminhando”.

Quando, cansado, recosto minhas decepções em seu colo gentil, ela apenas sorri e me relembra do prazer de viver. Um gole d’água, um café fumegante, um doce qualquer para nos lambuzar de delícias simples e talvez um vinho. Por que não? Para celebrar o que nem sabemos. Sabemos. Os instantes bem acompanhad­os merecem que brindemos.

Conheço outras Lygias, com outros nomes, com outros ofícios. Conheço gente que, na sensatez dos cotidianos, me ajuda a respirar um ar puro. Mas preciso confessar que também conheço de poluições. De gente que é melhor estar distante. Que acinzenta dias ensolarado­s. Que nos traz dissabores desnecessá­rios.

Escolher dizer “sim” ou dizer “não” é prova de discernime­nto, de sabedoria. Espero acertar mais. Olhando para Lygia, para as Lygias que aquecem sem queimar, que cultuam os silêncios sábios e os dizeres edificante­s.

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