O perigo da ‘automedicação’
Obras realizadas sem a indicação de profissionais habilitados colocam em risco edificações e usuários
Quando a pessoa vai ao médico, ela recebe o diagnóstico e uma receita com os remédios adequados ao caso. O mesmo deveria acontecer com as edificações. Ao sinal de problemas, o responsável por elas deveria solicitar o parecer de um profissional habilitado com o ‘diagnóstico’ e as possíveis soluções. No entanto, a prática não é muito comum e o resultado da ‘automedicação’ pode trazer sérias consequências para as construções e, principalmente, para os usuários dela.
“Basta que se troque a palavra farmácia por loja de materiais de construção e substitua receita médica por projeto e especificação e se estará face a face com inúmeras tentativas empíricas de se solucionar manifestações indesejáveis nos mais diversos tipos de construções”, relata o engenheiro civil Flávio Figueiredo, diretor da Figueiredo & Associados Consultoria e conselheiro do Ibape/SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo).
Flávio Figueiredo comenta que são observadas ‘automedicações’ em imóveis de todos os tamanhos, tipos e padrões. Entre as mais comuns, a troca de disjuntores por outros com maior amperagem, quando os originais desarmam com frequência em razão de excesso de carga; esconder trinca ou bolor com papel de parede; aplicar argamassa em peças de concreto armado, sem critério técnico definido, para encobrir armaduras oxidadas; ocultar marquises ou outras estruturas em concreto armado deteriorado atrás de belas fachadas decorativas, em vidro ou alumínio; e emendar tubulações com fitas adesivas ou massa plástica.
INTERVENÇÕES
Fernando Santos, arquiteto e diretor da Santos Projetos, lembra que as intervenções sem projetos ou especificações realizadas por profissionais habilitados são executadas tanto por moradores quanto pelo próprio condomínio. “Existem estruturas e infraestruturas do condomínio dentro das unidades tanto quanto existem da unidade em áreas do condomínio. Não há intervenção no primeiro que não tenha impactos no segundo e vice-versa. O condomínio que decide substituir toda coluna de esgoto vai impactar nos banheiros de boa parcela dos moradores. Assim como um morador que instalar um aparelho de arcondicionado vai impactar na fachada do prédio, que é do condomínio”, destaca.
Fernando Santos ainda acrescenta que é imprescindível que as partes sempre se comuniquem antes de iniciar qualquer obra. “E a melhor maneira de comunicar obras é por meio de projetos, na forma de plantas, desenhos, memoriais e especificações, com emissão de responsabilidade técnica, que somente arquitetos e engenheiros com habilitação podem fazer”, ressalta.
A melhor maneira de comunicar obras é por meio de projetos, na forma de plantas, desenhos, memoriais e especificações FERNANDO SANTOS, arquiteto
NORMA BRASILEIRA
Fernado Santos também lembra que, em 2014, foi publicada a norma NBR 16280, que coloca os requisitos básicos para uma gestão eficiente de obras e serviços em condomínios. Segundo ele, a norma deveria servir de orientação geral para todos os síndicos, mas existem alguns administradores condominiais que a desconhecem.
“Sem profissionais habilitados à frente dos serviços e obras civis, toda a responsabilidade em caso de problemas ou acidentes recai sobre o responsável legal do imóvel. Nas obras do condomínio, a responsabilidade recai sobre o síndico. Nas unidades privativas, a responsabilidade é do morador, mas pode acabar resvalando no síndico, pois o condomínio tem poder fiscalizador sobre as obras internas. Se houver situações de risco, o condomínio deve intervir para embargar a obra e solicitar adequação dos métodos de trabalho, mesmo dentro das unidades autônomas”, explica Fernando Santos.
Para resolver pequenos problemas, as pessoas acreditam que não precisam de especialistas. São razões culturais FLÁVIO FIGUEIREDO, engenheiro civil