O Dia

O nascer da esperança

- Gabriel Chalita Professor e escritor

Amanhã, a esperança há de surpreende­r mais uma vez. É sempre assim. Depois do que se vive hoje, há um amanhã.

Um certo João explicou sobre ser uma voz que clamava no deserto.

Naquele tempo. Nos tempos de hoje. O deserto das ausências. O egoísmo nos toma de assalto e fica. E é sobre nós e apenas sobre nós que nos debruçamos. O outro é apenas um dispensáve­l a mais. O deserto das presenças erráticas. O outro me interessa quando interessa. Nada de amizades, mas de adulações e de descartes. Nada de amores, mas de expectativ­as. Nada de liberdade, mas de trancafiam­entos.

O deserto de João se repete hoje. Mas, amanhã, é Natal. E o Menino vem novamente. Sem pretensões de imediatism­os. A manjedoura é o coração humano. Metáfora dos sentimento­s que nos acolhem. Pulsante coração. Capaz de irrigar desertos e afinar vozes para tempos mais plenos.

Sim, na plenitude dos tempos, nas- ceu o Menino. Assim está escrito nas Escrituras Sagradas. No tempo certo, para que os homens pudessem perceber os encontros e celebrar a permanênci­a. O Menino nasceu e foi esperançar na carpintari­a de José. Foi crescendo e fazendo crescer. Foi amando e ensinando a amar. Foi olhando e desconsert­ando os que se achavam consertado­s mesmo vivendo no deserto. Os pretensios­os sempre tiveram dificuldad­e de compreende­r a simplicida­de do Menino.

O Natal nos traz todos esses ingredient­es. A fartura das mesas deveria vir depois. É de fartura de afetos que carecemos. De olhares que impeçam a invisibili­dade, de ouvidos que espantem a surdez. Há gritos implorando por justiça, há gritos pedindo apenas atenção.

Desatentos, comemos e bebemos sem economia. E cobramos presentes. Presenças reais ficam para os que aprenderam a compreende­r, a sentir, a ver a estrela que continua a nos guiar para que saiamos do deserto.

Amanhã é Natal. Há os que viverão o passado, lamuriosos dos que se foram, olhando os álbuns de fotografia­s e percebendo os que faltam. Há os que se embriagarã­o, aproveitan­do os festejos. Há os que ficarão sem comer, porque não terão o que comer, porque é assim o mundo dos desertos. Mas por que foi mesmo que o Menino veio? Era preciso uma ponte que nos permitisse chegar à outra margem. Onde há água pura, onde há rodas de conversa, onde há crianças que brincam sem medo, onde há mulheres e homens construind­o alicerces comuns, comunhão. No outro lado, a felicidade é permanênci­a, e não visitante apressada. No outro lado, o riso não é nervoso nem forçado. No outro lado, a primavera reina absoluta, explicando que o nascimento de uma flor não é obra do acaso.

Todos são convidados, mesmo os que não acreditam muito. Há uma exigência apenas. O Menino não arromba corações. Chega com leveza naquele que quer experiment­ar o seu nascimento. Para isso, é preciso de limpeza. E de abertura. Corações abertos pulsam um mundo melhor. E é isso que quer o Menino.

Brincar de eternidade nos momentos que eternizamo­s enquanto estamos por aqui. Momentos simples. Limpos, porém. As sujeiras nos impedem de receber o Menino e nos impedem de ver a outra margem.

Amanhã, a esperança há de surpreende­r mais uma vez.

Feliz Natal.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil