Medo domina a Baixada: crimes de mais e polícia de menos
Região teve média de nove homicídios por dia no ano passado, registra aumento de roubos e ações de tráfico, que obrigam moradores a fazer barricadas nas ruas para se proteger. Enquanto a de policiais por 100 mil habitantes é de 200 na Zona Sul carioca, em Belford Roxo, por exemplo, não passa de 61.
Com média de nove homicídios por dia em 2017 e déficit de policiais, moradores gradeiam ruas para se sentirem mais seguros
A gente chamava a polícia, no início eles até vinham. Mas depois pararam de mandar viatura. Fui roubado em um intervalo de três dias
MORADOR DE SÃO JOÃO DE MERITI
Com altos índices de crimes e déficit de policiais na Baixada Fluminense, quem está passando a viver atrás das grades são os moradores. Portões e cancelas foram instalados em vários bairros nos últimos meses em Duque de Caxias, São João de Meriti, Magé e Nilópolis após roubos seguidos.
Enquanto na Zona Sul carioca a média para cada 100 mil habitantes é de 200 PMs, em Belford Roxo, por exemplo, há somente 61 agentes da lei por 100 mil moradores. Em nenhum dos municípios da região a proporção se aproxima dos bairros nobres da cidade do Rio.
“Consegui escapar de um arrastão. Mas meu irmão não teve a mesma sorte e levaram a moto nova dele”, afirmou um morador do bairro Grande Rio, em Meriti, que pediu para não ser identificado. No município são cerca de mil pessoas para cada PM (mais detalhes no infográfico).
Outro morador, que também não quis se identificar, contou que foi assaltado duas vezes na mesma semana. “A gente chamava a polícia, no início eles até vinham. Mas depois pararam de mandar viatura. Fui roubado em um intervalo de três dias, chegando em casa do trabalho”.
A solução encontrada para remediar a situação: colocar portões ao redor de quatro entradas, fechando as ruas permanentemente. “Não há cadeados. A ideia foi dificultar a entrada dos criminosos, que usam principalmente motos para roubar”, explicou um morador. Carros só entram por pequena viela, em baixa velocidade. Em Caxias, a prefeitura retirou seis cancelas do bairro Engenho do Porto. Mas, após os moradores apresentarem boletins de ocorrência de assaltos na região e provar que as barreiras não foram colocadas por milicianos, o órgão voltou atrás. Em dezembro, as cancelas foram novamente instaladas. “Aqui é uma rota de fuga para bandidos de várias favelas: Beira-Mar, Lixão, Vila Ideal. Nos sentimos mais seguros com as cancelas”, disse um comerciante. O trânsito nas ruas do bairro fica fechado de 20h às 6h. Em caso de emergência, moradores têm chaves para destravar os bloqueios.
TIROTEIO ENTRE TRAFICANTES
Também em Duque de Caxias, no bairro de Santa Cruz da Serra, a tranquilidade das casas tem cedido lugar a constantes trocas de tiros entre traficantes, que chegam a incendiar ônibus. O ir e vir na Baixada não se restringe à população. De acordo com investigação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, em Nova Iguaçu, na localidade KM 32, empreiteiras têm que pagar a milicianos para circular com caminhões da terraplanagem. E, de acordo com sindicatos de ônibus, é comum a mudança de rotas dos coletivos devido a tiroteios.
Para o delegado Leandro Costa, de Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, a motivação da chacina na quinta-feira, em Belford Roxo, pode ter sido a disputa entre traficantes e milicianos. “Atiram na população para dar medo e demonstrar poder”, destacou Costa. Só em 2017 houve 1.707 homicídios dolosos na Baixada (média de nove por dia) — número que supera a capital, com 1.390 crimes do mesmo tipo.
Segundo o promotor Marcelo Muniz, que trabalhou no júri da Baixada por 10 anos, grupos de extermínio atuam e se renovam na região. “Você percebe que a taxa de homicídios tem um pico e depois diminui. Isso ocorre após integrantes desses grupos serem presos”, afirmou. E fez uma reflexão: “Sabe aquele livro do José Saramago, ‘Intermitências da Morte’? Que a Morte resolve parar de matar em uma cidade? Talvez Saramago a tirou do livro e a mandou para a Baixada. Triste, mas na Baixada a morte é tão comum”, completou o promotor.