O Dia

Medo domina a Baixada: crimes de mais e polícia de menos

- BRUNA FANTTI bruna.fantti@odia.com.br KIKO

Região teve média de nove homicídios por dia no ano passado, registra aumento de roubos e ações de tráfico, que obrigam moradores a fazer barricadas nas ruas para se proteger. Enquanto a de policiais por 100 mil habitantes é de 200 na Zona Sul carioca, em Belford Roxo, por exemplo, não passa de 61.

Com média de nove homicídios por dia em 2017 e déficit de policiais, moradores gradeiam ruas para se sentirem mais seguros

A gente chamava a polícia, no início eles até vinham. Mas depois pararam de mandar viatura. Fui roubado em um intervalo de três dias

MORADOR DE SÃO JOÃO DE MERITI

Com altos índices de crimes e déficit de policiais na Baixada Fluminense, quem está passando a viver atrás das grades são os moradores. Portões e cancelas foram instalados em vários bairros nos últimos meses em Duque de Caxias, São João de Meriti, Magé e Nilópolis após roubos seguidos.

Enquanto na Zona Sul carioca a média para cada 100 mil habitantes é de 200 PMs, em Belford Roxo, por exemplo, há somente 61 agentes da lei por 100 mil moradores. Em nenhum dos municípios da região a proporção se aproxima dos bairros nobres da cidade do Rio.

“Consegui escapar de um arrastão. Mas meu irmão não teve a mesma sorte e levaram a moto nova dele”, afirmou um morador do bairro Grande Rio, em Meriti, que pediu para não ser identifica­do. No município são cerca de mil pessoas para cada PM (mais detalhes no infográfic­o).

Outro morador, que também não quis se identifica­r, contou que foi assaltado duas vezes na mesma semana. “A gente chamava a polícia, no início eles até vinham. Mas depois pararam de mandar viatura. Fui roubado em um intervalo de três dias, chegando em casa do trabalho”.

A solução encontrada para remediar a situação: colocar portões ao redor de quatro entradas, fechando as ruas permanente­mente. “Não há cadeados. A ideia foi dificultar a entrada dos criminosos, que usam principalm­ente motos para roubar”, explicou um morador. Carros só entram por pequena viela, em baixa velocidade. Em Caxias, a prefeitura retirou seis cancelas do bairro Engenho do Porto. Mas, após os moradores apresentar­em boletins de ocorrência de assaltos na região e provar que as barreiras não foram colocadas por milicianos, o órgão voltou atrás. Em dezembro, as cancelas foram novamente instaladas. “Aqui é uma rota de fuga para bandidos de várias favelas: Beira-Mar, Lixão, Vila Ideal. Nos sentimos mais seguros com as cancelas”, disse um comerciant­e. O trânsito nas ruas do bairro fica fechado de 20h às 6h. Em caso de emergência, moradores têm chaves para destravar os bloqueios.

TIROTEIO ENTRE TRAFICANTE­S

Também em Duque de Caxias, no bairro de Santa Cruz da Serra, a tranquilid­ade das casas tem cedido lugar a constantes trocas de tiros entre traficante­s, que chegam a incendiar ônibus. O ir e vir na Baixada não se restringe à população. De acordo com investigaç­ão da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizada­s, em Nova Iguaçu, na localidade KM 32, empreiteir­as têm que pagar a milicianos para circular com caminhões da terraplana­gem. E, de acordo com sindicatos de ônibus, é comum a mudança de rotas dos coletivos devido a tiroteios.

Para o delegado Leandro Costa, de Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, a motivação da chacina na quinta-feira, em Belford Roxo, pode ter sido a disputa entre traficante­s e milicianos. “Atiram na população para dar medo e demonstrar poder”, destacou Costa. Só em 2017 houve 1.707 homicídios dolosos na Baixada (média de nove por dia) — número que supera a capital, com 1.390 crimes do mesmo tipo.

Segundo o promotor Marcelo Muniz, que trabalhou no júri da Baixada por 10 anos, grupos de extermínio atuam e se renovam na região. “Você percebe que a taxa de homicídios tem um pico e depois diminui. Isso ocorre após integrante­s desses grupos serem presos”, afirmou. E fez uma reflexão: “Sabe aquele livro do José Saramago, ‘Intermitên­cias da Morte’? Que a Morte resolve parar de matar em uma cidade? Talvez Saramago a tirou do livro e a mandou para a Baixada. Triste, mas na Baixada a morte é tão comum”, completou o promotor.

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FOTOS LUCIANO BELFORD Moradores de São João de Meriti fecharam ruas para dificultar o acesso de bandidos à região próxima das residência­s

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