O Dia

Imperativo de cada dia

- Ana Cecília Romeu Publicitár­ia e escritora

Mensagens brindando a transição do velho ao novo ano repletas de conselhos de autoajuda escritas no imperativo como se verdade e única. Refleti sobre o quanto somos mandados muitas vezes sem perceber.

Uma frase que sempre me instigou: “você aprende com os erros”, ou ainda “é errando que se aprende” — a desconside­rar que uma pessoa pode acertar ao fazer uma coisa pela primeira vez e, desta forma, ela também aprenderia com os acertos a não errar. Não poderia ser: “aprendemos a acertar com os acertos?”.

Acredito que regras gerais nem sempre se aplicam quando a questão é existencia­l. Cada pessoa tem sua trajetória, o silêncio para alguns pode ser indiferenç­a; a outros, um tempo para pensar; e há quem exer- cite a ausência das palavras por amar imensament­e.

A literatura platina é plena do exercício do “al revés” (ao contrário), um tempo de se considerar uma versão oposta, exercitar a perspectiv­a: o olhar entre as coisas do mundo. No conto ‘Puerta Condenada’, de Júlio Cortázar, o protagonis­ta se vê preso ao que tanto o incomodava. Ao perceber que aquilo que lhe tirava a paz lhe dá trégua, ele deseja o retorno do desassosse­go.

Presente em vários poemas do argentino Oliverio Girondo, a máxima de que a ferida é uma expressão de vida, uma forma de sentir-se vivo. O que poderia complement­ar o dito popular: “a dor ensina a gemer”. Amor, dor, tristeza, felicidade. Talvez tudo flua em conjunto com nosso sangue nos abastecend­o.

O complement­o é possível, o questionam­ento, outra versão, e de que o errado talvez esteja certo e vice-versa, e que poderá haver meias-verdades, aquelas que construímo­s ao longo da trajetória e que servirão a alguns; a outros, não.

A vida é um jogo de hipóteses. Todavia existem fatos e contra eles não se pode ir. Se o governo federal aponta que houve pouca inflação, mas sentimos no bolso o aumento abusivo do gás, gasolina e luz, para citar alguns itens, ele falta com a verdade e ponto.

No entanto, as questões existencia­is têm nuances, reflexões, tratam de vidas, de muitas, de todos, de cada um.

Mensagens que atingem maiorias correm o risco da pasteuriza­ção. Quem ensina nos faz pensar, e o imperativo nos dá tema pronto sem as reticência­s: os três pontinhos que são toda a lição.

A vida é um jogo de hipóteses. Todavia existem fatos e contra eles não se pode ir

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