O Dia

Quase contatos com o Cony

- Luís Pimentel Jornalista e escritor

Faz tempo. Escrevi um original de contos em concurso literário promovido pela Fundação Catarinens­e de Cultura (Prêmio Cruz e Souza). Foi premiado (o livro chamase ‘Grande homem mais ou menos’ e foi editado depois, pela Bertrand Brasil). Quando li que o autor de ‘Quase memória’ — uma das obras que mais me comoveram —, Carlos Heitor Cony, fizera parte do júri, considerei aquilo um quase contato com ele, embora o livro tenha sido inscrito sob pseudônimo, exigência do regulament­o.

Fiquei feliz pelo prêmio e mais feliz ainda por saber que Cony lera o meu original. Comentei o assunto com o Ziraldo, amigo dele e com quem eu convivia diariament­e na época, um lavando e o outro enxugando na redação do semanário ‘Opasquim21’. Dia seguinte ele me falou: “Comentei com o Cony sobre o concurso. Ele disse que gostou dos seus contos e até citou um, que é assim, assado e não sei como...”

Pronto. Quase contato confirmado, eu pensei.

Tempos depois, meu amigo Antônio Torres foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e me convidou para uma recepção (pós ou pré-eleição, já não lembro), em casa de um amigo seu. O Cony estava em uma roda com outros escritores (lembro bem de Cícero Sandroni, Nélida Pinon e Nelson Pereira dos Santos), e me sentei o mais próximo que pude, para ouvir a prosa.

Agora, depois de sua morte, resolvi reler o belo e definitivo ‘Quase memória’, um monumento à literatura

Não dei uma palavra, mas, que nem a coruja, prestei muita atenção; e considerei que tive ali outro quase contato com ele, por que não?

Mais recentemen­te, eu caminhava em volta da Lagoa Rodrigo de Freitas quando avistei Carlos Heitor Cony, em cadeira de rodas, estacionad­o ao lado da tradiciona­l barraca de cocos do Albany, na Fonte da Saudade (ele morava ali pertinho). Conversava com uma moça que deveria ser enfermeira ou acompanhan­te ou secretaria ou amiga. Comprei um coco e coloquei minha cadeira o mais próximo que pude, tentando ouvir suas palavras, pois com sorte poderia ser sobre jornalismo ou literatura. Mas ele falava baixinho, e me dei por satisfeito ao privar por alguns minutos de sua involuntár­ia “companhia”.

Assim, tive ali o terceiro e último quase contato com o grande escritor.

Agora, depois de sua morte, resolvi reler o belo e definitivo ‘Quase memória’ (que o autor classifica­va como um quase-romance, mas que é um monumento à literatura, à necessidad­e da arte e ao amor delicado de um filho por um pai). A sensação foi a mesma que senti há 20 anos, quando li pela primeira vez. É o poder da arte e dos artistas, entre os quais Carlos Heitor Cony foi maioral.

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