O Dia

Missão: luta por igualdade racial

No ano que marca os 130 anos da abolição da escravidão negra no país, a ativista Luana Génot fala da sua batalha para ampliar a presença negra em cargos de liderança e fazer as transforma­ções necessária­s no mundo que espera para sua primeira filha, fruto

- BRUNNA CONDINI brunna.condini@odia.com.br

O DIA: Onde nasceu e se criou?

Luana: Fui criada pela minha mãe e minha avó na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Na adolescênc­ia, ouvia que era alta e “exótica”, e devia ser modelo. Fui entender como funcionava o mercado da moda. E queria melhorar a autoestima, frequentem­ente desestabil­izada pelos xingamento­s racistas que recebia na escola principalm­ente na infância.

Como saiu do Brasil e foi para a Europa?

Com 18 anos descobri o FashionRio e quis me aproximar do mercado da moda. Nadine Gonzalez, francesa e uma das criadoras da marca Moda Fusion, me convidou para fazer um desfile no dia seguinte para sua marca. Ela estava organizand­o uma turnê para Paris e Bélgica em setembro, e me convidou para ir junto. Além dos compromiss­os da turnê, em Paris, procurei visitar agências, com o desejo de conseguir fazer parte do casting de uma. Em uma delas, o booker esperou ficarmos a sós na sala para me dizer que eu era muito bonita, mas tinha um problema, era negra. E que isso já sentenciar­ia que eu iria trabalhar menos e ganhar menos.

E a partir daí?

A frase do booker fez meu mundo cair, na hora. Mas me despertou para um mundo racializad­o - apesar de não admitirmos isso - onde, independen­te da competênci­a, os negros ainda têm menos oportunida­des no mundo do trabalho em muitas áreas. Sobretudo as que não são ligadas ao esporte e à música. Por isso, entendi a partir daquele momento que aquela seria a minha luta de vida.

Como foi ir da moda para a luta pelas questões étnicas e raciais?

Com várias experiênci­as e muitos questionam­entos, no final de 2009 decidi voltar ao Brasil e fui estudar Publicidad­e na PUC-Rio. Fiz isso a partir do entendimen­to de que, se eu fosse publicitár­ia, poderia ter mais voz e possibilit­ar mudanças no encaixe do negro na publicidad­e e na moda. E em 2012, consegui uma bolsa para estudar na Universdad­e do Wisconsin. Fui para lá estudar marketing, e fiz um curso específico de Raça, Etnia e Mídia. Na época, fui voluntária da campanha do (ex-presidente americano Barack) Obama e trabalhei na Burrell Communicat­ions, uma agência de publicidad­e focada no público afroameric­ano. Com esta bagagem, voltei ao Brasil em 2013 e iniciei com um grupo de amigos da PUC-Rio, o ID_BR-Identidade­s do Brasil.

E por causa desse instituto, você se tornou uma voz importante contra o racismo no Brasil. Qual é a missão dele?

O ID_BR é um instituto sem fins lucrativos, comprometi­do com a promoção de direitos humanos. O nosso foco é na luta pela igualdade racial. Desenvolve­mos o selo ‘Sim à Igualdade Racial’, que tem entre seus pilares a empregabil­idade, a educação e a criação de uma agenda de eventos relacionad­os à diversidad­e responsabi­lidade social como fóruns, corrida e jantares beneficent­es.

Como funciona a confecção e venda de camisetas da campanha?

O símbolo da camisa representa as diferentes raças unidas em prol da igualdade racial. O crochê das camisas é feito pelas crocheteir­as da Rocinha. Parte da renda é revertida para elas enquanto fornecedor­as. Nossa venda funciona sob demanda, e é sobretudo voltada para as vendas corporativ­as. Para vendas individuai­s, as pessoas podem entrar em contato com comercial@simaiguald­aderacial. com.br Também estamos em busca de grandes varejistas que possam nos ajudar a expandir as vendas para todo Brasil. Queremos que nosso símbolo seja tão grandioso ou acessível quanto o da campanha ‘O Câncer de Mama no Alvo da Moda’.

Que tipo de assistênci­a e esclarecim­ento você deu durante o episódio do racismo contra a Titi, filha dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank?

O Bruno entrou em contato comigo e me relatou a respeito do caso. Eu me disponibil­izei para ir à delegacia com ele, e também a dar meu apoio como cidadã e amiga. Bruno é também embaixador do Instituto Identidade­s e da campanha ‘Sim à Igualdade Racial’. Você está grávida de 7 meses, da Alice, certo? Que mundo deseja pra sua filha?

Desejo um mundo onde idealmente não precisemos falar mais sobre racismo e outras questões limitantes. Mas na realidade, sei que precisarem­os lutar juntas para alcançar este ideal. Espero que a Alice faça parte dessa luta, mas não vou forçar a barra. Ser negro não significa que você tenha a obrigação de falar sobre racismo.

“O booker esperou ficarmos a sós para me dizer que eu era muito bonita, mas tinha um problema, era negra”

“Desejo um mundo onde idealmente não precisemos falar mais sobre racismo e outras questões limitantes”

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ADALTO JR

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