O Dia

A Justiça condenou Tiradentes

- João Batista Damasceno Doutor em Ciência Política e juiz de Direito

Em 1792, o Tribunal da Relação do Estado Português, instalado no Rio de Janeiro desde 1752, condenou Tiradentes à forca, ao açoite depois de morto, ao esquarteja­mento, à exposição das partes do seu corpo ao longo do caminho que levava até a Vila Rica, atual Ouro Preto, bem como demolição de sua casa e salgamento do terreno para que nele sequer nascesse mato.

Os desembarga­dores que condenaram Tiradentes eram serviçais dos interesses dominantes, sem qualquer relação com o conceito de justiça. Alguns pediram posteriorm­ente a permanênci­a como desembarga­dores, pois sequer tinham esta qualidade quando do veredicto.

Julgamento­s injustos tanto podem ser feitos para atender aos donos do poder quanto aos apelos populares. A multidão insuflada contra as pessoas apontadas como inimigas públicas não é boa juíza. As maiorias circunstan­ciais e enfurecida­s são tão danosas à Justiça quanto o são os juízes corrompido­s pelo poder. Sócrates foi condenado por uma multidão enraivecid­a no ano 399 a.C., assim como Cristo.

Para evitar os linchament­os e os julgamento­s politizado­s que marcaram a história é que a civilizaçã­o construiu princípios que devem orientar os juízes. É a procedimen­talidade que todo juiz intelectua­lmente honesto segue. Diz a Constituiç­ão que não há crime sem lei que o defina, nem pena sem prévia previsão legal. Aos acusados há de ser assegurado­s o contraditó­rio e a ampla defesa. Uma condenação há de ser baseada em fato descrito na acusação.

Fato é ocorrência concreta no mundo natural. Tem que ter acontecido inequivoca­mente. E para tanto são necessária­s provas suficiente­s capazes de convencer não apenas os julgadores, mas a todos que lerem os autos do processo. Na dúvida, há de se absolver. Um julgador convencido sem prova pode até produzir julgamento eficaz e causar dano à liberdade de uma pessoa. Mas causa maior dano à legitimida­de da Justiça.

Para a condenação de uma pessoa que exerça função de chefia, por atos praticados por seus subordinad­os, é preciso inequívoca demonstraç­ão de sua participaç­ão em cada um dos atos praticados. Não basta dizer que um chefe, por esta qualidade, é garantidor de esquema de seus subordinad­os, quando a ação destes tenha por finalidade incrementa­r ganhos ilícitos. Não basta dizer que a falta de prova das condutas é porque age nos bastidores. Isto é fantasia punitiva. Não é julgamento.

Um julgador convencido sem prova causa maior dano à legitimida­de da Justiça do que à liberdade de uma pessoa

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