O Dia

CARNAVALES­CO DA MANGUEIRA, LEANDRO VIEIRA FALA DO DESFILE DE PROTESTO DA VERDE E ROSA.

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Domingo de Carnaval. Para muitas pessoas, um dia de diversão. Para Leandro Vieira, o dia mais importante do ano. Carnavales­co da Mangueira desde 2016, ano em que estreou no Grupo Especial ( já com título), ele promete surpresas na Avenida com o enredo ‘Com Dinheiro Ou Sem Dinheiro, Eu Brinco’, uma crítica ácida aos governante­s. “Meu enredo é altamente crítico. Na história do Carnaval, eu não lembro ou não tenho conhecimen­to de nenhum enredo que tenha se proposto a um embate direto com o representa­nte da gestão municipal. A Mangueira está fazendo isso e o presidente da escola é um político”, conta o jovem de 31 anos em uma entrevista exclusiva à coluna. Confira:

Como fica o coração de um carnavales­co em semana de desfile. Está tudo pronto?

Sou perfeccion­ista e chato pra c... Até no dia do desfile eu fico arrumando defeito no meu trabalho para chegar na Avenida da melhor maneira possível. Perfeito a gente nunca consegue fazer, mas tento sempre fazer o meu melhor. A Mangueira está pronta desde o começo da semana.

E você não teve folga?

Carnavales­co tem férias grandes... Depois que acaba o Carnaval, a gente fica três meses de férias. É tempo suficiente para descansar.

Como foi a sua rotina nessa reta final?

Eu costumava chegar no barracão às 10h, mas não tinha hora pra sair.

O que vai ter de diferente neste Carnaval?

Não acho que esse Carnaval vai ser diferente de nenhum outro. Acho que escola que gasta muito dinheiro vai continuar gastando muito dinheiro. Escola que

não gasta vai continuar não gastando. Carnavales­co que faz bonito vai continuar fazendo bonito e carnavales­co que faz feio vai continuar fazendo feio.

Você aproveitou a madeira dos carros do ano passado?

Não. Não existe aproveitar madeira. De um ano pro outro a gente tem que mudar a madeira toda. Eu aproveitei material, como aproveito todo ano. Não foi porque era um ano de crise não. Mas a madeira não se reaproveit­a. Acho uma burrice a pessoa se desfazer de coisas que podem servir para facilitar o seu trabalho sem compromete­r a estética. Desde que eu faço Carnaval, eu nunca coloquei um Carnaval no zero para começar um novo no ano seguinte. E acho que meus carnavais têm sido bem-sucedidos esteticame­nte.

Isso te faz sair na frente?

Não. Isso não faz ninguém sair na frente. Eu saí do Grupo de Acesso há muito pouco tempo. Estou habituado a trabalhar com dificuldad­e, entendeu? O lance da grana não determina um bom Carnaval. Eu gosto de fazer Carnaval bom com pouco dinheiro. O meu desafio é fazer um Carnaval à altura da escola que eu trabalho com a verba que a escola tem.

Então a crise não te afetou tanto?

Basta você ver o título do meu enredo, não é? Eu falo sempre isso. Não à toa, Mangueira, São Clemente e União da Ilha foram apontadas no pré-Carnaval como as mais adiantadas. São escolas que não têm bicheiro, não têm dinheiro em caixa, não têm patrocínio. E mesmo assim tem que fazer Carnaval todo ano. Então, de certa forma, isso deixa as escolas mais calejadas em período de crise.

Como é para você ser apontado como uma autoridade no Carnaval?

Não sou autoridade nem na minha casa!(Risos)

Mas agora as pessoas te consultam sobre Carnaval. Você virou referência...

Eu acho bacana ter uma alternativ­a para o Carnaval. O que eu proponho para o Carnaval é fazer Carnaval. Não proponho outra coisa. É uma festa de cultura, produzida para o povo e pelo povo. Esse é o Carnaval que eu defendo. O Carnaval de verdade. Não defendo o Carnaval como espetáculo, como show ou como pirotecnia. Defendo Carnaval como Carnaval. É o que eu acho que vale a pena. E é o Carnaval da Mangueira. É uma escola mega tradiciona­l e que aponta o Carnaval como a festa do povo. Isso pra mim é importante.

O enredo é uma resposta para o que acontece hoje no Rio. Que tipo de crítica a gente pode esperar da escola na Avenida?

Aí é só na Avenida. Eu acho que o Carnaval se ganha e se perde na Avenida. Muita coisa a gente acha que vai acontecer e na hora não acontece nada. E vice-versa. Não acredito em favoritism­o, campeã antes do desfile, julgamento de ensaio... Só acredito no que acontece no dia do desfile.

Você já disse que o Chiquinho presidente da Mangueira é um e o Chiquinho deputado é outro. Vocês já tiveram algum embate por pensar diferente?

Nunca. O presidente da Mangueira foi o cara que contratou um novato aos 31 anos sem a menor história no Carnaval para ser o carnavales­co. Tudo o que eu proponho na Mangueira faço sem qualquer censura. Meu enredo é altamente crítico. Na história do Carnaval, eu não lembro ou não tenho conhecimen­to de nenhum enredo que tenha se proposto a um embate direto com o representa­nte da gestão municipal. A Mangueira está fazendo isso e o presidente da escola é um político! Um deputado! Ele me dá plena liberdade. Esse é um dos principais motivos que me faz não querer sair daqui. Eu não fui contratado pelo deputado.

Foi por isso que você não aceitou os convites de outras escolas?

Por isso. Aqui eu tenho liberdade total.

Qual vai ser o futuro do Carnaval carioca indo nesse ritmo? Não teve ensaio técnico, teve problema com verbas...

Nesse ritmo o futuro é a reinvenção. Não teve ensaio técnico, mas algumas escolas foram ensaiar na rua. Faltou verba, mas todo mundo vai fazer Carnaval. O que eu tenho dito é que o prefeito já perdeu no primeiro ano. Vamos fazer um grande Carnaval. Acredito mais na capacidade do sambista e do povo de fazer o Carnaval do que na capacidade do prefeito de desfazer alguma coisa. O futuro do Carnaval é a reinvenção. Carnaval não é dinheiro. O Carnaval vai se reinventar e acontecer uma outra festa com cara de Carnaval. E eu acho isso o máximo. Escola de samba é um organismo vivo e tem que dialogar com a cidade.

Você é inteligent­e, articulado, defende seus pontos de vista com propriedad­e. Sempre foi um cara estudioso?

Nunca fui CDF, mas sempre fui um cara que se posicionou diante das coisas. Eu fiz faculdade de arte, sempre fui um artista engajado. Era péssimo em matemática, péssimo em física. Mas eu era bom em português, em literatura... Posso dizer que eu era um aluno mediano.

Muita gente apoiou a decisão de não usar o di- nheiro público para o Carnaval. Como você acha que o Carnaval pode convencer essas pessoas do contrário?

Infelizmen­te nós somos um povo que não aprendeu a valorizar as nossas festas. A gente não aprendeu a valorizar a cultura que produz. E ainda existe uma má vontade muito grande para se olhar para o Carnaval como uma manifestaç­ão cultural. Isso talvez seja o pior da nossa sociedade. O que seria de Las Vegas se não fossem os cassinos? O que seria Orlando sem os parques? Nós deveríamos enxergar que o Rio poderia viver do Carnaval. Infelizmen­te, hoje temos um prefeito que não potenciali­za esse atrativo cultural e reforça que o carnaval é apenas um evento. O Carnaval do Rio não é uma atividade de três dias.

Você assiste aos desfiles das outras escolas?

Não. Só assisto dois: Rosa Magalhães e Renato Lage.

Você tem algum ritual antes de entrar na Avenida?

Nenhum.

Onde você fica durante o desfile da Mangueira?

Fico no setor 1 até a escola entrar. Fico no meio da pista vendo a escola passar por mim. Depois eu vou junto. Fico animando os componente­s e olhando o trabalho.

E quando acaba o desfile?

Eu durmo! E também não assisto a apuração. Tenho pavor da voz do Jorge Perlingeir­o (narrador da apuração dos desfiles das escolas de samba). É responsabi­lidade demais. Fico ouvindo música com um fone de ouvido.

“O Rio de Janeiro poderia viver do Carnaval”

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DANIEL CASTELO BRANCO LEO QUEIROZ
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