O Dia

Difícil de dar certo (I)

- Roberto Muylaert Editor e Jornalista

Em 1964, eu não tinha vivência política para entender, em toda a sua extensão, o movimento militar que estava acontecend­o. Só os mais velhos tinham uma visão realista do que ocorria, já que haviam acompanhad­o o desenrolar da Revolução de 30, de Getúlio Vargas, que permaneceu no poder por 15 anos. Como ‘Pai dos Pobres’, foi eleito depois no regime democrátic­o, coisa que não aconteceri­a em hipótese alguma com os generais-presidente­s. Ao chegar em casa, ouvi, de meu pai, a frase de que me lembraria durante todo o período de regime militar, de 64 a 85: “Vão ficar no poder por no mínimo 20 anos”.

A coisa engrossou mesmo em 1968, com o AI-5, que tirou todos os direitos dos cidadãos e fechou o Congresso Nacional. Naquele 13 de dezembro, os militares tiraram a capa de cordeiro e se mostraram, sem disfarce, violentos e cruéis, tendo assassinad­o 357 vitimas oficiais nos anos seguintes, gente que, segundo eles, transforma­ria o Brasil num país vermelho.

Mas o que surpreende­u não foi a violência das prisões, cassações e aposentado­rias forçadas que tomavam o país. O inadmissív­el e impensável foram as torturas, a partir de quartéis do Exército, utilizando instalaçõe­s e recursos pagos com a colaboraçã­o de empresário­s “contra os comunistas”, ao aplicar toda a sorte de sevícias, técnicas de choque elétrico, afogamento e tudo mais que a CIA americana pudesse ter ensinado para esse fim. Imaginar que o Exército Nacional tivesse se rebaixado a tal ponto de incivilida­de, esse foi o choque que abalou a mente de todos os brasileiro­s com informação sobre o que acontecia. O conceito de “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Hollanda, caiu por terra. E o fato de nenhum torturador ter sido levado a julgamento é o que deixa esse período inacabado.

Os tempos mudaram, e os generais da reserva garantem que os jovens oficiais têm um compromiss­o inarredáve­l com a Constituiç­ão Federal.

Só que agora os experiente­s somos nós, e quando surge uma intervençã­o federal, como foi feito agora no Rio de Janeiro, não conseguimo­s evitar que o pensamento apareça solto, examinando o que pode significar essa tomada de poder.

Para começar, não há hipótese de que o Exército resolva a questão dos criminosos espalhados nas favelas, entre a população honesta e trabalhado­ra, assim como os americanos não conseguira­m derrotar os vietcongue­s, escondidos no meio da população vietnamita. (Continua)

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