O Dia

DE PORTAS ABERTAS PARA O MUNDO

As incríveis histórias de porteiros que migraram do Nordeste para o Rio são contadas em livro. Muitos construíra­m patrimônio consideráv­el a partir da portaria

- WILSON AQUINO wilson.aquino@odia.com.br

São muitas as histórias emocionant­es e inspirador­as de nordestino­s, como Francisco Nascimento, que migraram para ganhar a vida no Rio trabalhand­o como porteiros. Agora, elas são contadas em livro.

De repente, a porta se abre. Com certeza foi o Chiquinho, o gentil porteiro do Edifício Ragazzi, na Lapa, que girou a maçaneta para adiantar a vida de um dos 200 moradores que chegou cheio de embrulhos na mão. Mas, para que hoje o Chiquinho abra portas, há 30 anos alguém lhe abriu uma. Vida de porteiro é que nem iceberg: a parte visível, que conhecemos, é sempre muito menor do que a submersa, aquela que, invariavel­mente, não tomamos conhecimen­to.

Porém, um projeto literário traz à tona a história de algumas dessas figuras emblemátic­as da sociedade carioca. ‘Da minha porta, vejo o mundo’, da Editora Letras & Sons Comunicaçã­o, narra a vida de 12 porteiros, que chegaram ao Rio de Janeiro em busca de oportunida­des e, a partir da portaria de um prédio, construíra­m sua história. E, em alguns casos, belo patrimônio.

“É um personagem importante na vida de quem mora em grande cidade e que não tem a história contada”, explicou o jornalista Aydano André Motta, responsáve­l pelas entrevista­s e textos do livro. “Existe o universo da invisibili­dade dos porteiros: eles trabalham, fazem parte da vida das pessoas, mas são pouco conhecidos. O livro tem uma pegada social”, acrescento­u a editora Alcione Koritzky, que produziu o livro junto com o documentar­ista Sylas Andrade, o dono da ideia. “O projeto joga luz sobre a profissão, ajuda a contar a história da migração do Nordeste para o Rio, a partir da década de 1950, e é uma homenagem a essa categoria que faz parte da nossa vida”, resumiu Andrade.

A história de Chiquinho, como é carinhosam­ente conhecido o porteiro Francisco Ferreira do Nascimento, 50 anos, cabe perfeitame­nte em qualquer livro. Antes de

vir para o Rio, há 30 anos, enchia as mãos de calo na plantação de abacaxi, em Sapé, cidade de 50 mil habitantes da Paraíba, a 40 km da capital, João Pessoa. “Trabalhei na roça dos 12 aos 20 anos. Não aguentava mais, queria outro emprego, mas lá não tinha. Pedi as contas, e o patrão, em vez de me dar dinheiro, me indenizou com uma passagem só de ida para o Rio”, lembrou Chiquinho. Foram dois dias de viagem em um ônibus da Itapemirim. Chegando à Cidade Maravilhos­a, amigos arrumaram emprego para ele no prédio, onde está até hoje.

Segundo Aydano Motta, a trajetória desses bravos nordestino­s é uma epopeia. “Eles têm história de vida que nos envergonha com nossos draminhas de classe média. Geralmente, têm infância miserável, saem de casa para um lugar hostil, trabalham muito e constroem patrimônio. São personagen­s incríveis”. Andrade chama a atenção para a importânci­a que o porteiro acaba tendo na vida do prédio. “A relação porteiro-morador do Rio é especial, especialme­nte nessa crise de confiabili­dade que a gente enfrenta. Eles estão sempre dispostos a ouvir, mas não estão ali para interferir na tua vida. Veem nossos filhos crescerem e acabam testemunha­ndo histórias de várias vidas”, afirmou. E veem mesmo. “Peguei o síndico no colo”, contou Chiquinho, para quem o segredo da profissão é “ser amigo, tratar com respeito tanto os adultos quanto as crianças e ficar atento”. No Rio, Chiquinho casou, teve uma filha (hoje com 19 anos) e conseguiu comprar um apartament­o em Inhaúma, na Zona Norte da cidade. No seu rastro, vieram os quatro irmãos, que também trabalham como porteiros.

Nem o IBGE sabe quantos porteiros existem no Brasil. No Rio, a estimativa é que sejam 120 mil. Uma curiosidad­e: o Dia do Porteiro é celebrado no 29 de junho, em homenagem ao padroeiro da categoria: São Pedro, o ‘porteiro do céu’.

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LUCAS MERçON / FLUMINENSE F.C LUCIANO BELFORD / AGÊNCIA O DIA
 ?? LUCIANO BELFORD / AGENCIA O DIA FOTOS LUCIANO BELFORD / AGENCIA O DIA ?? Francisco Ferreira do Nascimento, o Chiquinho, de 55 anos, trabalhava na plantação de abacaxi, em Sapé, Paraíba, quando era criança. Migrou para o Rio há 30 anos e desde então é porteiro em um edifício na Lapa
LUCIANO BELFORD / AGENCIA O DIA FOTOS LUCIANO BELFORD / AGENCIA O DIA Francisco Ferreira do Nascimento, o Chiquinho, de 55 anos, trabalhava na plantação de abacaxi, em Sapé, Paraíba, quando era criança. Migrou para o Rio há 30 anos e desde então é porteiro em um edifício na Lapa

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