O MEDO DE SERVIR NA PRÓPRIA FAVELA
Jovens militares da intervenção recorrem a máscaras para não serem reconhecidos
> O soldado A. viveu dias de apreensão às vésperas da operação conjunta das Forças Armadas e da polícia na Cidade de Deus pouco antes do Carnaval. Seu temor era ser convocado para atuar na comunidade onde nasceu, foi criado e ainda vive com a família. A., a mãe e a avó só se sentiram aliviados quando saiu a escala de serviço: o rapaz, militar há um ano, ficaria no quartel.
“Seria muito desconfortável. Tem gente que cresceu comigo e hoje está no tráfico. Não sei como ia reagir”, contou A., revelando drama pelo qual vêm passando praças envolvidos na intervenção federal.
Jovens como A., oriundos de comunidades pobres, que ingressaram nas Forças Armadas em busca de emprego estável e ascensão social, temem ser vistos por traficantes no papel de inimigo. Para se resguardar, quando em missões nas favelas, eles usam máscaras que cobrem o rosto. Apenas os olhos ficam de fora.
“Até hoje fui poupado, eles dão preferência a gente de fora. Mas se tiver de ir, vou fazer tudo para não ser reconhecido”, disse A.. “Não me envolvo com ninguém, mas tenho amigo do lado de lá. Todo mundo tem. Procuro nem passar perto. Acredito na intervenção e na construção de um Rio e um país melhor se as operações forem sérias. Só não adianta fazer operação e sair. Tem que ficar”, continuou.
Em janeiro, ao defender a volta do auxílio-moradia para militares, extinto em 2000, o comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, declarou que o benefício era fundamental porque as famílias do contingente de áreas com tráfico “ficam vulneráveis e são ameaçadas”. A fala foi endossada pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas.
Liderança do Chapadão, Gláucia dos Santos denunciou à Anistia Internacional o barril de pólvora que pode se tornar um confronto que divide jovens que foram criados juntos e têm armas de alto calibre nas mãos. “Estão tentando criar uma guerra nas favelas”, disse Gláucia. “A maioria que vai para o Exército é favelada e há essa rivalidade com os que foram para o tráfico. Eles vão enfrentar o próprio povo: vão se matar.”
O Comando Militar do Leste confirmou que já toma precauções para a segurança dos militares que moram em favelas e vai intensificá-las. O uso de balaclavas (toucas que cobrem o rosto) é permitido. Mas o pano deve ser escuro.