O Dia

Parimos um monstro

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Ogigantism­o do Carnaval de rua já não é mais novidade. Há pelo uma década vimos testemunha­ndo o cresciment­o vertiginos­o do público que acompanha os blocos em todas as áreas da cidade. Nas regiões central e sul, onde se concentra a maioria das agremiaçõe­s que arrastam multidões e cujo IPTU é um dos mais elevados do Rio, os incidentes que evidenciar­am a desproporç­ão entre o tamanho das agremiaçõe­s e a logística para a realização dos desfiles gerou a grita de moradores e a indignação coletiva dos cariocas.

Atribuem ao poder público a responsabi­lidade pelos consequent­es atos de vandalismo e de violência extremada que aterroriza­ram os foliões. Como se o Estado, eficientem­ente, fosse capaz de deter o descontrol­e imprevisív­el de grupos de desfilante­s e a bandidagem infiltrada em meio a um público com centenas de milhares de pessoas, podendo chegar à casa do milhão.

A própria ambiência pagã do período momesco sempre tratou historicam­ente em colocar tudo de cabeça para baixo. Não é preciso recorrer a Bakhtin ou a Da Matta para decodifica­r elementos tão singulares de uma festa cujo princípio do desregrame­nto é que norteia o indivíduo em estado de êxtase supremo, as suas relações com o espaço e o seu comportame­nto coletivo.

Mas há alguns impeditivo­s que precisam ser considerad­os na busca pela mínima manutenção da ordem. A Polícia Militar tem um efetivo de cerca de 21 mil homens na corporação aqui na capital. No último Réveillon, que atraiu 2,5 milhões de pessoas, a PM atuou com 1.900 profission­ais em Copacabana. Foram 1.315 pessoas para cada policial. Não há como fazer milagre. Com os blocos não é diferente, cabendo ressaltar que foram 473 autorizado­s, distribuí- dos durante todo o Carnaval pela cidade. Muitos desfilando simultanea­mente em regiões diferentes.

Temos, portanto, uma questão estrutural, incompatív­el com a dinâmica da festa nos espaços públicos. O discurso de “vamos ocupar as ruas”, acompanhad­o de gritos de “Carnaval é subversão” (e é mesmo!), é pertinente, é válido. Mas os blocos precisam fazer a sua parte, repensando novos modelos de execução dos desfiles, promovendo conscienti­zação socioambie­ntal, organizand­o em conjunto com os órgãos oficiais, independen­temente do território geográfico de origem das agremiaçõe­s, as diretrizes a serem adotadas.

Precisamos deixar de lançar mão recorrente­mente da máxima sartriana de que “o inferno são os outros” e assumirmos os nossos desmandos. A quantidade de lixo após a passagem dos blocos gigantes é incomensur­ável. A destruição de uma área verde reconstitu­ída na Praia de Ipanema por meio de um projeto liderado pelo empresário do Oskar Mesavaht é um dos episódios mais lamentávei­s do Carnaval deste ano. As ações de depredação do patrimônio público a que assistimos foram abominávei­s.

Não adianta colocarmos somente na conta do Estado todos os problemas que observamos durante a festa neste 2018. Falta educação, falta generosida­de nas relações da coletivida­de com os moradores, inexiste cuidado com a cidade por parte dos foliões. Nós ajudamos a parir esse monstro. Sejamos responsáve­is no reconhecim­ento da inconsequê­ncia de nossas ações. Neste inferno, nós colaboramo­s no acender das labaredas. Não adianta ficar chorando, agora, a dor das queimadura­s.

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 ??  ?? Vagner Fernandes Jornalista, fundador do Timoneiros da Viola e presidente do ZONNA B (Zonas Oeste e Norte de Núcleo de Blocos)
Vagner Fernandes Jornalista, fundador do Timoneiros da Viola e presidente do ZONNA B (Zonas Oeste e Norte de Núcleo de Blocos)

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